quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Esmeralda: nunca saberemos se o final será feliz


Não estou muito por dentro do caso Esmeralda mas o que tenho ouvido nos últimos dias recorda-me um filme que vi há poucas semanas nos EUA: Gone Baby Gone (o primeiro, e surpreendentemente bom, filme de Ben Affleck como realizador). A exibição do filme foi atrasada nos Estados Unidos devido a algumas coincidências com a história Maddeleine mas, na verdade, o dilema que o filme aborda (e que não vos conto) está bem mais próximo da história de Esmeralda. Não se trata de opor o Direito à Justiça. Talvez se trate antes, em parte, de opor o que é justo ao que é melhor para a criança e, noutra parte, da impossibilidade de sabermos o que é realmente melhor para a criança. A este respeito, e sem ter condições de me pronunciar sobre o caso Esmeralda, não posso deixar de questionar até que ponto a imprensa e a opinião pública não confundem o que é melhor para a criança com o seu juízo sobre com quem acham que a criança estaria melhor. Até que ponto os juízos públicos sobre esta questão não se arriscam a ser contaminados por preconceitos sociais? A melhor forma de testar isto é fazer o seguinte exercício: imaginemos que o denominado pai afectivo, que há anos tentava sem sucesso adoptar a menor e a escondia da justiça, era alguém de uma classe social baixa e pouco culto (como penso ser o caso do verdadeiro pai de Esmeralda); imaginemos, igualmente, que os pais verdadeiros que nunca tinham podido exercer o poder paternal eram um casal de classe média e alguma educação (como os candidatos a pais adoptivos de Esmeralda). Qual seria a posição da opinião pública no caso? E estariam a pensar no que é justo, no que seria melhor para a criança ou em quem acham que cuidaria melhor dela? A única coisa de que tenho a certeza nesta história é que, como o filme de Affleck, terminará sem sabermos se teve ou não um final feliz. Não porque o autor não nos dê um final claro mas sim porque nos sentimos incapazes de fazer um juízo sobre se é um final feliz ou não..

7 comentários:

Anónimo disse...

Excelente!
Não podia estar mais de acordo.
Atrevo-me mesmo a dizer que me leu o pensamento.

Cumprimentos.
Nuno Costa.

timshel disse...

"impossibilidade de sabermos o que é realmente melhor para a criança"

impossível é

mas improvável talvez não

mais do que a opinião pública seria conveniente talvez tomar em consideração a opinião de cientistas do comportamento para saber da probabilidade de se causar um sofrimento mental indescritível a uma criança com a sua separação dos pais afectivos

e talvez ainda mais do que a opinião dos cientistas do comportamento era cada um de nós colocar-se na posição de alguém nos vir separar dos nossos pais quando éramos pequenos e imaginarmos o que sentimos

afinal, est exercício revela imediatamente uma validade empírica manifesta

mais do que qualquer elocubração ou suposição abstractas

Nuno Lobo Antunes disse...

Se conhecessem a ignorância destes "cientistas" do comportamento...

SV disse...

«Se conhecessem a ignorância destes "cientistas" do comportamento...»

Se me permite Nuno, a ignorância da classe a que se refere é, aparentemente (o meu conhecimento é por transferência), notória a alguns daqueles que com ela partilham a mesma formação.
Não vejo é ninguém a denunciar. Em especial, aqueles que, pela posição que ocupam, estariam em condições de o fazer com credibilidade.
Ao invés,temos directoras de serviços de psiquiatria que defendem "relações assépticas" com os doentes e por aí fora... Mas, como dizia o meu livrino de francês do 7.º ano (valha-nos a inocência) tous va bien.

timshel disse...

"Se conhecessem a ignorância destes "cientistas" do comportamento..."

claro que é possível que as diversas especialidades e domínios do conhecimento, nomeadamente em termos profissionais, não passem de uma simples burla

é até possível que uma bruxa ou um curandeiro tenha mais sucesso terapêutico que um especialista do comportamento humano e das suas patologias

contudo, repito-me relativamente ao meu anterior comentário, é possível mas pouco provável, sobretudo em termos de análise preventiva (que é aquela que aqui se encontra em análise)

se os "cientistas do comportamento" são considerados muitas vezes "ignorantes" é porque os resultados no tratamento de certas patologias não são tão evidentes como, utilizando por exemplo a actividade de um engenheiro civil, os da construção de uma ponte que não cai

contudo, em termos de simples análise, as ciências do comportamento apresentam já um elevado grau de fiabilidade:

nomeadamente, nos primeiros anso de vida, certos eventos apresentam uma grande probabilidade de produzir certos efeitos (infelizmente - ou felizmente, depende do que se queira - quanto mais tarde na idade, menos probabilidades existem de alterações nos padrões de comportamento)

Anónimo disse...

Mas este sofrimental mental também existiria aquando da separação da criança raptada do seu raptor, não é verdade?

Anónimo disse...

Mais, o facto de o casal ter escondido a menor do seu pai durante anos, a fim de evitar o estabelecimento de quaisquer laços entre eles, já é em si um rapto.