A diabolização do outro
No artigo de ontem no Público, Rui Ramos explicava a diferença de protagonismo entre Chávez e Mugabe pela escolha dos alvos dos seus exorcismos. Chávez elegeu os Estados Unidos da América. Mugabe elegeu a Inglaterra.
Mugabe elegeu um inimigo directo que está consigo no mesmo terreno e que, não justificando nada, tem por base um conflito real e enraizado. Ou seja, se tem protagonismo, Mugabe tem-no porque atacou cidadãos ingleses. No caso de Chávez os Estados Unidos são um alvo distante, útil e com mais eco para se fazer a si mesmo ouvir e divulgar. Ou seja, engendrou um inimigo para propagandear o socialismo do século XXI e, em torno de si, com a bênção de Fidel Castro, assumir o protagonismo e empunhar a bandeira de uma luta internacional. Poderíamos dizer que há uma certa razão ou justificação interna de assim ser, para Mugabe, e que há uma ficção política construída com outros fins que não uma efectiva confrontação entre a Venezuela e os Estados Unidos para Chávez.
Este método de criar um adversário, compor-lhe a figura e retocá-lo, e depois apontar-lhe o dedo como sendo a origem exclusiva de todos os males que nos afectam e de todos os que não nos afectando podemos imaginar que nos afectem ou que virão a afectar, é um dos métodos há muito utilizados na política/propaganda, na política/televisão, na política/espectáculo: a diabolização do outro. Não que os monstros, muitas vezes, não sejam monstros. O que se procura nessa encenação, em rigor, não é denunciar o monstro, o que se pretende é esconder, disfarçar ou relativizar o monstro que se é ou que se defende. E, para criar um monstro onde ele exista ou onde ele não exista, nada melhor que ter um espelho que vá até ao fundo da própria alma.
3 comentários:
Caro João Luis,
Em rigor a estratégia também é usada do outro lado da barricada. Bush também escolheu os seus próprios «monstros»: o famoso «axis of evil». E por cá, de Pinto da Costa a Alberto João Jardim muitos são também os que apostam tudo na criação de inimigos externos para consolidar os seus poderes.
Caro Pedro,
Falei no método, não falei em barricadas. O ponto de partida foi o artigo do Rui Ramos. Os métodos depois de criados servem qualquer lado das barricadas. É essa mesmo a sua marca diabólica.
Encontramos a inspiração de Chavez de Mugabe, do Islão radical ou de George Bush entre os antigos maniqueus.
O Presidente dos EUA não hesita em falar no eixo do mal quando se refere aos países islâmicos que, por sua demonizam o Ocidente como classificação geral.
A herança de Mani, ou o maniqueísmo, tem sido útil aos que apostam numa bipolarização que, excluindo terceiros, lhes dá vantagem.
Ando com a Sofia Galvão nestes estudos sobre a Actualidade das Heresias Antigas. Ali vejo que o dualismo radical do maniqueísmo teve expressão em todas as épocas desde o século III sendo ouvido com influência em todos os Continentes.
Taticismo político, pura aritmética do verbo ou princípio gnóstico religioso, a verdade é que num mundo plural e democrático, que se quer orientado pelo Direito, pelo voto e pela transparência não há terceiros excluídos, nem luz ou trevas, nem alvos singulares congregadores de vontades únicas.
Há que ter cuidado. Chavez, Mugabe ou os novos maniqueus são inventivos. Substituem, sem dificuldade, o seu adversário. Desde que seja sempre um de cada vez. Como se, por acto reflexo, a multiplicação dos alvos produzisse um qualquer estilhaço no protagonismo original.
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