terça-feira, 30 de outubro de 2007

Zero vírgula vinte e cinco porcento

Ontem foi um verdadeiro momento de serviço público na RTP, como diria o Pedro Norton. Só vi uma parte pequena do programa, quando estavam os presidentes de dois bancos portugueses a olhar para Joe Berardo com curiosidade e, no fundo, a apreciarem a atitude e a ciência negocial desse génio do nosso mundo empresarial (confesso que tenho uma especial admiração por Berardo – e não por causa da sua colecção de arte).

Não saberemos se foi alguém de um dos bancos que telefonou para a RTP e disse: - “Minha senhora, estaria interessada em fazer um programa sobre uma proposta de negócio muito importante para o País e em que estarão presentes A, B e C?” Ou se foi a RTP que teve o rasgo de convidar alguns dos principais protagonistas de um grande negócio em projecto para fazer o programa em causa. De qualquer forma, a verdade é que a televisão pública prestou um serviço inestimável a essa possível transacção. O programa de ontem informou uma enorme massa de accionistas sobre as vantagens e desvantagens da dita transacção.

A televisão pública merecerá seguramente uma comissão de 0,25% sobre o valor do negócio em vista. Isso ajudará a pagar o défice ou a diminuir a contribuição dos contribuintes.

A união de bancos é inevitável e haverá quem ganhe e quem perca com isso. É acima de tudo uma medida de protecção da propriedade, pois torna os bancos menos vulneráveis a compras hostis. Está escrito nos livros que os bancos grandes não são necessariamente mais rentáveis do que os pequenos. Para além disso, o consumidor vai perder um operador do mercado, o que faz diminuir a concorrência. Essa perda é momentânea, pois se os bancos são de facto pequenos, mais tarde ou mais cedo serão comprados. Todavia, todas as contas feitas, é melhor para todos que os bancos de dimensão pequena se juntem.

Mas será que é papel da RTP ajudar a esta missa? - Acho que não.

Depois do sucesso do programa de ontem, de negociação ao vivo, tenho a certeza de que a SIC e a TVI estão já a preparar próximas séries do Big Brother com empresários e os seus dramas de negociações à séria.

4 comentários:

Sofia Galvão disse...

Ontem, ao ver esse deplorável Prós e Contras, percebi a dimensão da tragédia. A imparável deterioração do nível a que tudo se passa...
Perante o horror com que vi o que vi, pergunto: deve um negócio entre duas instituições financeiras de referência ser pretexto de um programa de grande audiência?, porquê??, para quê?!; pode a possível fusão entre BPI e Millenium BCP ser discutida sob a batuta de uma anfitriã completamente impreparada para moderar debate de tal natureza?; deve o serviço público servir de palco aos dislates, à falta de educação, de seriedade e de tom, de um accionista incomodado com uma iniciativa que não considera suficientemente adequada à sua pessoalíssima conveniência?; deve o mesmo serviço público degradar a imagem e o estatuto de banqueiros respeitados sujeitando-os a um contraditório sem elevação e sem respeito?
Mas onde é que estamos?! O que é que a RTP pensa que fez, ontem à noite? Quer Portugal ser um país europeu, com mercados regulados, com protagonistas sólidos, com operações consistentes? Ou quer ser a gargalhada da Europa e do Mundo? O que terão pensado, só para começar, os homens do La Caixa ou do Eureko se, desgraçadamente, assistiram a tal espectáculo???
Há muito se dizia que, quando as conversas dos taxistas passam pela Bolsa, o melhor é mesmo vender as acções... Mas o que achar, agora, perante o circo armado pela irresponsabilidade da RTP?
Enfim, ficam as saudades dos banqueiros distantes e fleumáticos, nos seus fatos de riscas. E do critério perdido nos temas e nos 'castings' destes programas de grande audiência...

Anónimo disse...

Pedro: temos de reconhecer que o tema tem relevância jornalistíca e que a RTP teve o mérito de reunir os principais protagonistas do caso (de resto é esse o grande mérito do Prós e Contras). Dito isto, estou absolutamente de acordo consigo. No latíssimo conceito de serviço público cabe qualquer coisa.

Sofia Galvão disse...

ftyO Público de hoje titula «CMVM exige que a negociação entre o BCP e o BPI não seja feita na praça pública». No desenvolvimento da notícia, esclarece-se que a CMVM proíbe que as conversações entre os dois bancos se façam "na praça pública, ou seja, na comunicação social". Só espero que o Público tenha razão. E, se assim for, saúdo a CMVM!

Anónimo disse...

Também me pareceu que a RTP se excedeu nas suas funções. Mas a responsável do programa gosta de temas sensacionalistas e percebeu que este é um deles.

Mas retomo uma outra questão interessante, associada a esta. Cada vez mais, já não basta convencer uma mão-cheia de accionistas em almoços de negócios. É preciso dominar assembleias de accionistas. Os responsáveis dos bancos em causa compararam seguramente de forma favorável os contras de terem de enfrentar um programa populista e o mais emblemático sel-made man do País, com os prós de poderem convencer milhares de pessoas da bondade do projecto.

Continuo a pensar, ao contrário do Pedro Norton, que quem esteve mal foi o serviço público.