Da verdade e da mentira em política
No Público de ontem, António Barreto escreve sobre a mentira como virtude política. Diz ele que a mentira, a fria mentira transformou-se em instrumento de governo. Se em tempos houve má consciência, agora as coisas mudaram: mentir é possível, simples e necessário. Sem remorsos nem correcção.
Só em Portugal, e no nosso passado recente, mentiu-se nos impostos, no emprego, nas pensões e abonos, nos referendos. Continuando a citar, mentiu Durão Barroso, mentiu e mente Sócrates.
Mas não apenas. Mente-se mundo fora. E, aí, a guerra do Iraque, conclui António Barreto, foi mesmo o paroxismo: nesse quadro, as mentiras de Bush e Blair transformaram em meros pecadilhos as mentiras de George Bush pai, sobre os impostos, de Nixon, sobre tudo, ou de Clinton, sobre o sexo.
Em síntese, António Barreto sustenta que a democracia vive hoje da mentira. Sob todas as suas formas: ocultação, contradição, correcção, circunstância superveniente ou melhor ponderação.
Como pano-de-fundo, desculpando e induzindo a mentira, os media. António Barreto aponta-llhes o dedo e assume que, com frequência crescente, gostam do novo hábito. Que usam com volúpia. Ou perdoam com malícia.
Ao ler isto, na calma do meu domingo, lembrei-me de Montesquieu e do seu Elogio da Sinceridade. Lembrei-me de Hannah Arendt e do seu Verdade e Política. Graças a António Barreto, passei uma tarde entregue à recusa dos aduladores, à refutação de enganos, hipocrisias e fingimentos, à recusa do narcisismo, ao apego à verdade dos factos e à verdade do sujeito para consigo mesmo, à apologia da verdade no espaço público. No fim, estava longíssimo da realidade que inspirara António Barreto. Mas, com ele, muito descrente da possibilidade de recuperar a verdade como valor político.
Estranhamente, ou talvez não, acabei a recordar os tempos em que, com absoluta leveza, fui descobrindo e revelando tantos detalhes da vida na opção decisiva entre verdade e consequência...
2 comentários:
Sofia, também li o artigo do António Barreto. O que fará um ex-ministro, que acompanha de perto a vida política e conhece bem os seus protagonistas, escrever um artigo, mais do que desencantado, diria, catastrófico. Se fosse um comentário de alguém que só assiste por fora ao teatro da política portuguesa teria direito aquele sorriso gauche, concordante mas desconfiado, mas vindo de quem vem!... Porém, esta é daquelas verdades que se dizem já sem consequências, sem reacções, em plena apatia mental e social. E isto é que é deveras preocupante: a indiferença que nos torna vulneráveis a qualquer acto de negação da liberdade como indivíduos e como povo.
Num país que se leva a sério o presidente da república deveria demmitir o governo ou dissolver a AR quando se toma decisões contrárias ao programa de governo.
Onde existe democracia, representação, quando um partido político candidata-se dizendo que vai baixar os impostos ou que critica o código de trabalho dizendo que a legislação deve proteger mais os trabalhadores e quando chega ao poder faz o seu contrário?
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