quinta-feira, 4 de outubro de 2007

TWO SHOTS FOR HAPPY

Confesso estar farto de desgraças e de brilhantes diagnósticos que todos os dias nos anunciam e prometem o inferno. Decidi criar aqui, na Geração de 60, uma rubrica obsessivamente optimista e encantada. O título, “Two Shots for Happy”, foi pedido de empréstimo a uma canção que Bono cantou a Sinatra quando ele fez 80 anos. Vai ser uma coisa ingénua, cândida, de um espírito simples para espíritos simples (é mentira, mas estou a gostar do embalo).
Começo por um livro. Chama-se “The Dictionay of Imaginary Places” e é um album de 21 por 30 cm, da autoria de Alberto Manguel e Gianni Guadalupi.
Este Dicionário inventaria os lugares imaginários com que os escritores foram povoando a literatura mundial. Face à vastidão da escolha, os autores decidiram eliminar todos os lugares que a inspiração dos escritores situou em inefáveis espaços celestiais ou nos mais nefandos e enxofrados infernos.
O Dicionário faz apenas o elenco dos lugares imaginários que se situam algures no Planeta Terra,onde julgamos habitar. Mesmo assim, para si impenitente viajante, fica já o aviso de que não é com o primeiro low-cost que lá vai chegar.
Foram igualmente excluídos lugares como o Yoknapatawpha de Faulkner ou a Balbec de Proust por serem, segundo Manguel e Guadalupi, lugares reais camuflados.
O que é que podemos então encontrar neste guia? Castelos, campos e montanhas povoados pelos cavaleiros do Rei Artur, as terras e lugares onde Gulliver foi minúsculo ou gigante, Atlantis ou Shangri-la. Dois anos de trabalho, milhares de lugares visitados de que sobraram, na versão final expandida que eu guardo religiosamente, mil e duzentos lugares apresentados com rigor e graça, com austero enciclopedismo ou com apelo quase sensual. Basta lembrar a descrição de Frivola, a terra de ténues maravilhas onde me apetece ir já descansar a minha lamentável miopia, ou a Capillaria das gigantescas mulheres louras que devoram “bullops”, criaturinhas na forma de orgãos sexuais masculinos (temo ainda não ser para mim o bom momento para gozar as presumíveis, porventura irreversíveis, delícias de Capillaria).
Para que tenham uma ideia mais precisa do livro, deixem-me dizer onde começa e acaba a peregrinação dos autores que, espero, inspire agora a vossa. O “Dicionário dos Lugares Imaginários” começa em Abaton, uma cidade cuja localização é permanentemente móvel, o que a torna quase inacessível (informo-vos de que não há mesmo GPS que vos valha). Alguns viajantes, diga-se, já a viram surgir, delicada e efémera, na linha do horizonte. Os testemunhos dão conta de altíssimos muros e poderosas torres de luz azul ou branca, embora no único vislumbre que dela tive (é verdade) me tenha surgido intensa e deliciosamente vermelha.
Termina, o adorável dicionário, em Where-Nobody-Talks (Où-On-Ne-Parle-Pas) o país que Jean Marie Gustave Le Clézio localizou no interior da nossa própria voz, coberto por uma espessa e invisível neve que tudo abafa.
Com este silêncio propício e de bom augúrio vos deixo durante uma semana. Vou obviamente de viagem.

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