sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Sonhando com o mercado

Façamos um exercício de ficção política.

Imaginemos um mundo em que como limite ao mercado as questões de defesa fossem aceites. A Organização Mundial do Comércio, essa fonte do liberalismo regulado (!), não teria competência quando estivessem em causa questões relativas à defesa.

Porque nesta questão há duas soluções possíveis: ou também na defesa o mercado rege a coisa ou não. Se se considera que o mercado não a pode reger, porque as exigências de transparência são contraditórias com a defesa, então teremos que é sonegado ao mercado o sufrágio nas questões de defesa.

Neste mundo inventado, em que a defesa não é regida pela regulação internacional do mercado, quais seriam as consequências?

Em primeiro lugar, quanto maior for o orçamento de defesa, menos sujeito se está sujeito à regulação internacional das trocas. O país que mais propagandeia o mercado são os Estados Unidos, e são ao mesmo tempo o que tem maior orçamento de defesa.

Em segundo lugar quanto mais crescem as despesas com a defesa mais se está imune à regulação internacional do comércio. A China é o país que mais tem feito crescer as despesas de defesa.

Em terceiro lugar há a tentação para considerar cada vez mais coisas como de interesse estratégico e para a defesa: os chips, a criptografia, os novos materiais, as novas tecnologias electromagnéticas. Mas igualmente restrições à propriedade de companhias de aviação, dos portos e assim por diante. Os Estados Unidos são campeões nisso.

Em quarto lugar há um incentivo, não apenas para ter grandes orçamentos de defesa, como uma concepção lata de defesa, e ainda para aumentar as despesas de defesa. O Japão bem viu isso e estaria a aumentar as despesas com a defesa.

O capitalismo regulado, na medida em que exclua a defesa constitui assim um incentivo para que esta se inflacione.

Ainda bem que esse mundo é apenas ficcional. Ainda bem que acabou a Guerra-Fria porque como todos nós sabemos a União Soviética era a única razão que levava ao crescimento da indústria de armamento. Ainda bem que no mercado, como dizia Voltaire, não se distinguem raças nem religiões, todos os homens são iguais.

Ainda bem que tudo o que descrevo é sonho. Porque caso não fosse, e num mundo em que se reconhecesse que o mercado é um escravo útil e não santo de lampadário, rapidamente haveria quem acordasse desse sonho lento.


Alexandre Brandão da Veiga

2 comentários:

Diogo disse...

Façamos um exercício de verdade documental:

Eisenhower, Churchill e de Gaulle não tiveram conhecimento das câmaras de gás nazis

Três das mais conhecidas obras sobre a Segunda Guerra Mundial são a «Cruzada na Europa» do General Eisenhower (Crusade in Europe - New York: Doubleday [Country Life Press], 1948), «A Segunda Guerra Mundial» de Winston Churchill (The Second World War - London: Cassell, 6 vols., 1948-1954), e o «Memórias da Guerra» do General de Gaulle (Mémoires de guerre - Paris: Plon, 3 vols., 1954-1959). Nestas três obras não há uma única referência às câmaras de gás nazis.

A Cruzada na Europa de Eisenhower é um livro de 559 páginas; os seis volumes de A Segunda Guerra Mundial de Churchill têm um total de 4.448 páginas; e o Memórias da Guerra do General de Gaulle tem 2.054 páginas. Em toda esta escrita publicada de 1948 a 1959, que perfaz no total 7,061 páginas (não incluindo as partes introdutórias), não se encontra uma única referência às câmaras de gás nazis, ao genocídio de judeus, ou às seis milhões de vítimas judaicas da Guerra.

timshel disse...

quanto mais cresce a fatia dos impostos destinada à defesa menos competitiva se torna a economia de um país que faz uma tal opção

é como pegar na riqueza produzida por um país para a atirar para um poço

ou essa despesa na defesa pode fazer, por vias militares, canalizar recursos destinados ao bem-estar das populações desses paíese "bélicos"

ou os recursos destinados ao bem-estar das populações desses países "bélicos" vai lentamente emagrecendo por comparação com os países que usam os impostos para aumentar o bem-estar das populações ou que baixam os impostos para que o mercado utilze naturalmente essa riqueza para a satisfação das necessidades de bem-estar das populações

o caso dos EUA é paradigmático (se os chineses deixassem de alimentar a economia americana através do enorme défice comercial dos EUA seria interessante ver o que aconteceria)

a China, com os salrios baixos que pratica pode-se permitir tudo, desde o aumento das despesas militares até ao financiamento da economia dos EUA

é a China que cada vez mais detém as chaves da prevenção de crises económicas mundiais catastróficas

até quando ela quiser...