segunda-feira, 1 de outubro de 2007

I. Pierre Duhem, Sauver les apparences. Sur la notion de théorie physique. Vrin, 2003




Vejamos qual é o pano de fundo do homem público a propósito do caso Galileu, quando este é visto como fundador da ciência moderna.

“Galileu foi perseguido pela Igreja Católica que pretendia defender a escolástica e o sistema ptolemaico e aristotélico a ele ligado, uma visão medieval, substancialista da ciência que não dava lugar à convenção, apoiada nas Santas Escrituras.”

Primeira prevenção: o homem público em geral é incapaz de ter tal vocabulário e ainda menos formular juízo tão complexo (mesmo que eu o tenha simplificado em excesso). No entanto, e embora não seja capaz de descrever a árvore inteira, é lá que vai buscar os frutos. Sempre que vejo um ignaro falar do papel da malfadada igreja católica como obstáculo ao desenvolvimento das ciências pergunto o que sabe ele para afirmar com tantas certezas absolutas tantas inépcias.

Segunda prevenção. Pierre Duhem é um caso à parte. Poucos historiadores da ciência puderam atingir a sua competência. É natural. Em primeiro lugar é um grande físico . Se não pertence aos maiores, a sua competência e erudição não podem ser postas em causa. O seu pensamento influenciou cientistas durante o século XX, e não menores, como Prigogine. Tem a vantagem igualmente de ser grande conhecedor da filosofia e da teologia. Em acréscimo estava longe de ser analfabeto em latim e grego, o que apesar de tudo não é irrelevante para quem queira fazer História da ciência. Ao menos sem ser como amador. A imensa maioria dos documentos está nessas duas línguas pelo menos até há três séculos. Sem o conhecimento destas línguas a História da ciência é exercício de ilustração, mas não de ciência histórica.

Terceira prevenção: tudo o que Duhem diz vai contra a tradição iluminista no que respeita à história da ciência. Toda a gente “sabe” que a Idade Média foi uma época obscura sob o ponto de vista intelectual, e consequentemente sob o ponto de vista científico. E está arrumada a questão. Mas esta tradição que tem o seu epítome em Voltaire - e vai até Brecht, nomeadamente - deve suscitar-nos alguma desconfiança. Destes autores nenhum pode ser elogiado pela sua probidade. E apesar de reconhecer a qualidade dramática de Brecht, não o usaria como modelo de sentido de justiça (os seus ódios a Thomas Mann são disso bem sinal) e muito menos como grande conhecedor de ciência ou História. Não esteve preocupado em conhecer a História, mas mais que a História o conhecesse a ele.

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