segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Che Guevara


Nos quarenta anos da morte de Che Guevara a polémica parece acender-se. Afinal parece que teria sido um homem sanguinário, perpetrando massacres e discursando nas Nações Unidos em apologia do fuzilamento.

Tanto os que ficam contentes com esta notícia como os que se entristecem ou surpreendem com ela participam da mesma época, da mesma mentalidade, da mesma platitude, da mesma chatura e do mesmo simplismo de vistas. Ambos bebem de uma antropologia a preto e branco, numa só dimensão, em que de um lado há os bons e de outro os maus, a esquerda e a direita.

Da parte que me toca a notícia não me entristece, nem me alegra. A notícia nem sequer é notícia.

Qualquer pessoa com uma visão algo mais cuidada da História veria com facilidade quem é Che Guevara.

Ernesto Guevara de la Cerna, aristocrata.

Aristocrata sem dinheiro em acréscimo.

Homem consumido por ideais absolutos, radicais, sem concessões.

De uma rectidão que quase resvala na cegueira. Cegueira perante a sua vida privada, a sua ligação aos seus próximos.

O mesmo que depois de capturar dois espiões os liberta sem os maltratar, apenas depois de lhes ler propaganda revolucionária. Como um perfeito cavaleiro.

Quem é este Che Guevara?

Nada mais nada menos que mais um personificação de um herói cavaleiresco medieval bem conhecido. Che Guevara era um cruzado.

Não deixa de ser curioso que são exactamente os que deploram as cruzadas que se revêem em Che; e os que o odeiam; odeiam afinal o que faz a grandeza da alma europeia.

O cruzado é efectivamente violento. Violento porque o seu ideal é absoluto, sem concessões. O cruzado apenas passa a ser tolerante quando passa a ser político. Deixou de ser plenamente cruzado, na conquista de uma Jerusalém terrestre, carnal, como condição de uma Jerusalém celeste. O quadro mental de Che é o de Santo Agostinho, não com Deus a menos, mas com um Cristo que depois de Incarnado nos homens não consegue sair da sua prisão terrena.

Che sanguinário? Como um cruzado. Admirável por isso. E por isso perigoso. Mas por isso igualmente apto a manter-se incólume em mitos.







Alexandre Brandão da Veiga

7 comentários:

Anónimo disse...

Caro Alexandre,
Por coincidência (ou talvez não) escrevi esta semana sobre este assunto na Visão (que sairá na próxima 5ª). E a pergunta que me interessa fazer é a seguinte: faz sentido procurar o Guevara «histórico»? vale a pena desconstruir o mito?

João Luís Ferreira disse...

E assim prestar uma grande homenagem ao grafismo iconográfico comunista? Fazer do mercenário o comandante romântico e idealista? Esquecer os fuzilamentos e esconder as vítimas? Seria essa uma boa perspectiva para quem está sentado do lado livre do mundo: pactuar, por uma estranha concepção da história, com a irresponsabilidade a injustiça e o terror? Quem construiu o mito? Para que serviu? A quem servirá agora não desconstruir o mito? E depois que fazer com a história? Torná-la num engarrafamento de falsos heróis?

Anónimo disse...

Concordo no geral com o post, mas discordando nalguns pontos concretos: sim, de acordo, o Dr. Guevara enquanto líder e intelectual, era um aristocrata no sentido mais nobre do termo ( i.e.,aristocracia do espírito, superior à do sangue).

E, enquanto estratega e jogador de xadrez, admirava os portugueses descobridores e conquistadores de quinhentos, na sua opinião "grandes jogadores de xadrez". Aqui estou plenamente de acordo com o Dr. Guevara, também os meus herois e o meu imaginário mais apelativo e significante está nessa época gloriosa das Caravelas, tão bem cantada ( pese embora o tom pimba da canção) pelos Davinci, que venceram o festival da RTP da canção há alguns anos.

MAS, um grande mas, mesmo: isto não invalida no entanto que esta grande mente, pese embora certamente com e pelas melhores intenções ( das quais,como soi dizer-se, está o Inferno cheio), tenha posto a sua vida ao serviço de uma filosofia e de um sistema de valores ateu e anti-cristão, o Comunismo, do qual Nossa Senhora falou e advertiu em 1917 aos pastorinhos, que coitados, no seu analfabetismo, pensaram que a "Rússia", fosse o nome de uma ovelha e não de um país por eles então ignorado.

E para nós portugueses, resta-nos saber a sua real influência na preparação doutrinária, operacional e psicológica às ganansiosas (e locupletadoras e desprezadoras totais do povo, como a prática o tem demonstrado )elites dos movimentos pré-independentistas do ex-ultramar português, quando, ao serviço de Cuba e da URSS, lá andou largos meses fisicamente disfarçado nos finais dos anos 50...
Os factos falam por si.
Com os melhores cumprimentos,
Carlos Catroga Inez

Nuno Lobo Antunes disse...

Um grande amigo meu, nascido na Guatemala, filho de judeus fugidos da Alemanha, educado em Yale, conheceu Che em casa dos seus pais, quando este tinha de deixar as pistolas à porta de Casa. Disse-me quem toda a sua vida nunca tinha encontrado um homem com um olhar tão impresionantemente frio, sem qualquer vislumbre da gentileza humana. Vale o que vale, mas o Che do poster da minha adolescência, morreu na terra da minha vida adulta.

Inez Dentinho disse...

Pelo sonho é que vamos.
Que herói não tem sangue nas mãos?
Penso com frequência num homem menos actual mas admirável como D.Nuno Álvares Pereira.
Faltou-lhe o marketing da Guerra Fria que contribuiu para dar a conhecer o guerrilheiro argentino à escala global. Mas sobrou-lhe a possibilidade de se recolher espiritualmente com a mesma exigência e entrega com que antes tinha combatido.
Talvez um Che conhecedor do perdão ou um D. Nuno estampado nas paredes dos nossos quartos de adolescentes, fizessem o pleno do que vale a pena admirar.

Anónimo disse...

Caro João Luís,
O Che «mitológico» é muito mais do que o ícone instrumentalizado pela ditadura castrista. E simboliza valores, porventura românticos e naïfs, que não são um património exclusivo da esquerda e que, no meu entender, fazem falta ao Mundo de hoje. Desconstruir o «Mito» em nome da verdade histórica é também atacar esses valores. Cada um fará, bem entendido, a avaliação do que é mais importante que prevaleça. Prometo um «post» autónomo sobre este assunto em breve.

Anónimo disse...

"lá andou largos meses fisicamente disfarçado nos finais dos anos 50..."
O Che nunca andou por Africa nos finais dos anos cinquenta.
Andou pelo Congo dum tal Kabilla ou lá como se chamava o homem em 1965, e antes por Angola, em certa altura de 1963. Um dia hei-de contar o "encontro" com o Che nas margens de rio Vamba; se lhe interessa ir ao Google-Earth, em 7º 30' 47" S; 14º 21' 07" L.