Sobre o estado da arte
Arte e política nunca estiveram divorciadas. Há uma união de facto entre elas que, em função das épocas, se geriu de formas diferentes. Os artistas vivem, como sempre viveram, das encomendas. As encomendas foram feitas por Imperadores, Reis, Príncipes, Papas, Senhores, Altos Funcionários, Embaixadores, etc... E na encomenda eram definidos os objectivos e as interpretações.
A mentalidade da época compatibilizava-se com a interpretação e mensagem individual do autor. Sem abalar os cânones, os artistas sabiam introduzir leituras que escapavam aos seus poderosos clientes e não punham em causa a sua fidelidade e reconhecimento. A regra ou, se quisermos o cânone, serviram sempre, precisamente, para tornar simbólicos e perceptíveis diferentes graus de interpretação. A propósito da cúpula de São Pedro de Miguel Ângelo escreve Eugénio D’Ors: “Pêro, en lo que fué de Miguel Angel, dentro del drama de la cúpula de Miguel Angel, ¿qué había? Una vez admitido en ella el principio de la exaltación de la unidad. ¿no se encierra ahí una expressión monárquica? Sí; más, al mismo tiempo, esta unidad se expressa como un sufrimiento. No significa la unidad que se sostiene, sino la unidad que se soporta.”
Actualmente, a política é, como já observámos noutro post, movida pela economia e, dentro da economia movida pela indústria. Mesmo as causas, por apenas o chegarem a ser se tiverem visibilidade planetária, e para terem visibilidade planetária tem de ter financiadores, são inquinadas pelas guerras entre indústrias e reduzidas rapidamente a joguetes dos diferentes interesses. Naturalmente, as artes são também movidas pela indústria que lhes corresponde. A imagem do artista solitário a desencobrir a beleza do mundo, é parte do imaginário que a boa vontade e a ingenuidade concebe para atribuir à arte o valor que efectivamente ela deveria na ter sociedade mas não tem. Não tem no espaço público onde deveria ser legitimada e valorizada. Acontece que o espaço público só legitima o que convém como expressão do sistema que outorga os quadros mentais que interessam promover. Já não são reconhecidos os valores intrínsecos da arte como criação gratuita. Mesmo a arte que exprime uma sabedoria é totalmente despromovida e ignorada. Não digo que haja por aí vítimas cheias de talento a quem não lhes é reconhecido o valor. Digo, isso sim, que as condições para se chegar a ser artista são desmontadas pelo pensamento oficial (se quisermos o politicamente correcto é uma das suas expressões máximas) inviabilizando democraticamente qualquer despontar de originalidade mental.
O percurso dos artistas é feito junto do poder económico que controla, com os seus prémios, bolsas e subsídios, a arte que lhe importa promover, num mecenato perverso e instruído pelos players do sistema: governos, institutos, galeristas, críticos, curadores, museus, coleccionadores, etc... Quem conta é quem sabe gerir a sua carreira nestes meandros. Sem espanto se chega a Veneza ou Kassel e se depara com um espectáculo de unanimismo e de politicamente correcto. Produz-se ali pensamento artístico? Ou não estaremos suficientemente distantes das histórias que vamos ouvindo para podermos fazer um juízo desapaixonado e conhecedor?
Que as relações entre a política e arte sempre existiram não há dúvida. Que a arte perdeu com a submissão do político ao económico parece-me difícil de negar. Quem resistirá à pressão do tempo?
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