segunda-feira, 9 de julho de 2007

Rebelião na Igreja?

Amanhã - terça-feira,10 de Julho - será verdade, ou não, o que hoje se lê no Público: «Bispos muito zangados com Governo».
A Comissão Permanente da Conferência Episcopal, reunida em Fátima, fará sair uma nota sobre o sério descontentamento da Igreja com a equipe e o espírito José Sócrates em relação a diversas áreas como a acção social, as capelanias, a educação, a comunicação social ou a aplicação da nova Concordata. Sobre todas elas houve pedidos de audiência, sempre ignorados. Dois ou três telefonemas confirmam-me a gravidade da insatisfação da hierarquia da Igreja Católica mas temo que a manchete na primeira página: «Bispos reunem-se em Fátima para endurecer críticas ao Governo» possa infligir uma certa prudência nas palavras da nota de amanhã do núcleo duro do episcopado.
Parece-me evidente que os termos da notícia deste jornal prestigiado condicionam o desfecho da reunião dos prelados. A primeira preocupação dos bispos será agora a de dizer que não se reuniram para interpelar o Governo mas apenas porque estava previsto e como estava pensado. Para o demonstrar, a nota será rodeada de pontos inadiáveis e nem sempre coincidentes com os da notícia. Terá finalmente um tom mais evangélico do que reivindicativo que «desvirtua o verdadeiro» sentimento da Igreja em relação à actuação do Governo.
Em 37 anos de Democracia - alguns dedicados à escrita sobre religiões - não me lembro de ter lido nas páginas da imprensa de referência sobre um desencontro tão radical entre o que é de Deus e o que é de César. O cerco do Patriarcado no PREC, a nova Lei da Liberdade Religiosa com Vera Jardim, o 1º Referendo ao Aborto, com Guterres, ou a revisão da Concordata com Durão Barroso não transmitiram a definição do cisma que hoje se anuncia e amanhã será previsivelmente amenizado.
Nem a duríssima denúncia de D. Manuel Martins sobre a fome em Setúbal durante o Bloco Central (1983-85) se deteve sobre intenções menores do Governo mas antes no apelo esperançoso de medidas concretas sobre aquela realidade dramática (que aliás seria atendido por Mário Soares). Lembro ainda a solicitude com que Fernando Nogueira se reunia no Patriarcado com o Cardeal Ribeiro para programar a construção de novas igrejas que integrassem social e espiritualmente o êxodo rural nas periferias das áreas metropolitanas. Recordo o cuidado que o PS de Guterres aplicou na distribuição proporcional dos tempos de antena de informação religiosa na RTP 2. E não esqueço o esmero com que João Soares tratou a transladação do Papa João XXI de trás de uma porta em Palermo para um dos altares laterais dessa Catedral italiana (é claro que permitiria igualmente a construção dos dois maiores bairros de Lisboa - Alto do Lumiar e Expo - sem a área para o culto que o PDM obriga a par dos espaços escolar, verde, comercial e desportivo).
É claro que a jacobiníssima preocupação de eliminar o lugar dos prelados nas cerimónias protocolares ou de equiparar os bispos aos militantes da defesa dos animais terá chamado a atenção de quem, há séculos, colmata as enormes falhas do Estado na protecção de velhos, crianças, doentes, desvalidos, deficientes ou toxicodependentes com «zelo incansável e espírito fervoroso» segundo S.Paulo. O mesmo se diga da absoluta secundarização da educação religiosa nos curriculae e da constante supremacia do IPPAR e dos megafones turísticos sobre os edifícios com culto.
Ao longo das curtas décadas da Democracia, as situações de atenção e descontentamento entre o Poder Político e a hierarquia da Igreja Católica portuguesa multiplicaram-se de forma irregular mas equilibrada num País que se define (no senso) por ter 94% de católicos; com uma frequência dominical que varia entre os 48% em Braga e os 6% em Beja (inquérito da Igreja); que aprova o aborto, facilita o divórcio e, maioritariamente, requer os serviços da Igreja apenas em quatro «rituais»: o Baptismo, a 1ª Comunhão, o Casamento e o Enterro (estudos de Borges de Pinho).
Estou atenta e curiosa sobre a nota dos bispos de amanhã. Servirão os «servos dos servos» a prudência de sempre na relação com o Poder Político desdizendo as suas razões hoje visíveis no Público? Ou falarão claro para que todos se entendam?

2 comentários:

Anónimo disse...

Excelente texto, sim senhora, aplaudo este regresso aos média mas... não vale a pena ser tão cautelosa, a "zanga" do episcopado acaba de ser confirmada numa notícia transmitida pela RTP.

Movimento Pela Net Mais Barata disse...

Pois isto acaba por ser uma gestao politica, mas enfim. vamos nós cá no burgo fazendo um pouco para uma vidinha melhor.