Uma espécie de divergência
Mais um comentário upgraded na minha "novela" com o Manuel Fonseca. Não sei se estaremos assim tanto nos antípodas mas acho que temos uma divergência séria que penso reside no seguinte: para o Manuel Fonseca Portugal já tem uma pluralidade de agentes capazes de produzir para o mundo global e o que falta é dar-lhes mercado; para mim esse mercado não será conquistado enquanto não abrirmos e alargamos o nosso "mercado" desses agentes.
Começa por ser uma questão de escala: penso que a Espanha tem o (relativo) sucesso que refere devido à sua escala (própria e em termos relativos no mercado de língua espanhola); em português esse papel é do Brasil e a nossa única forma de o combater é trazer a "dimensão ou escala" brasileira para cá (mas não só esta). Mesmo a Espanha tem uma política de abertura muito maior que Portugal: basta ver a origem de alguns dos filmes que estavam nos Goya este ano e o co-financiamento pelo Estado Espanhol de produções "não espanholas" (ou, pelo menos, com realizadores não espanhóis). O Manuel conhece isto seguramente melhor que eu mas imagine-se o que aconteceria em Portugal se o ICAM financia-se um filme de "origem" predominantemente brasileira… Eu estou a dar o exemplo do Brasil porque tem uma relação mais óbvia com um possível nosso mercado mais imediato mas, na verdade, entendo que esta nossa abertura deveria ser bem mais ampla. No fundo, o que eu acho é que não nos basta a nossa massa crítica residente para pretendermos ter acesso a um mercado global ou pelo menos regional. Neste aspecto é semelhante ao que se passa nas universidades. Na nossa universidade começa-se a falar agora de internacionalização mas, na realidade, do que se fala é de conseguir que os nossos professores sejam mais conhecidos lá fora e de trazer alunos estrangeiros para cá. Só que isso nunca será possível sem as nossas universidades serem também mais internacionais "por dentro", trazendo mais massa crítica para cá: a verdadeira forma de internacionalização passa por atrair para as nossas universidades os melhores professores e investigadores estrangeiros (foi o que os americanos compreenderam). Mas em Portugal as nossas elites têm uma enorme resistência a este tipo de concorrência externa aos seus postos de trabalho. É com alguma ironia que eu vejo colegas meus das universidades que fazem discursos sobre a xenofobia contra os imigrantes oporem-se frontalmente à contratação de professores estrangeiros. O que é mais extraordinário é que acho que eles não têm consciência desta contradição e são genuínos e honestos nas posições que tomam. Se os imigrantes vêm ocupar os postos de trabalho mais baixos e alguém se opõe, estamos no domínio da xenofobia. Se a concorrência é ao nível das elites universitárias já se trata de proteger a nossa capacidade científica… Assim como na cultura se trata de proteger a nossa identidade cultural ou na economia os nossos centros de decisão…Para que fique claro, não estou a acusar o Manuel de partilhar destas posições ou (mesmo que as partilhe) de qualquer tipo de hipocrisia. Digo isto para salientar como, para mim, conquistar o mercado que o Manuel pretende garantir aos nossos produtos culturais passa por aumentar a nossa "escala" cultural e para isso há que abrir, em primeiro lugar, o mercado das nossas elites culturais. Não podemos ser cosmopolitas só de exportação .
2 comentários:
Meu caro Miguel, rendo-me. Para uma primeira conversa, só espero que tenha sido tão bom para si como para mim. Por outras e mais benignas palavras: tanta divergência tinha que dar alguma convergência. Um dia destes falaremos do Brasil como mercado de linguística expansão para indómitos produtores lusíadas (doce e atlântica ilusão), mas tranquilize-se, sou favorável a um import-export cosmopolita. Ainda assim, e para ser franco, não creio que resolva grande coisa. Os franceses fantásticos que valeria a pena importar para Portugal vão para os Estados Unidos. Os brasileiros muito bons só por geográfica incipiência é que confundem Nova Iorque com Lisboa. Haja Deus, os espanhóis vêm na Páscoa e eu mesmo só não zarpo porque a Portugal me amarra o meu muito coração kimbundo. Um sincero abraço.
Não posso concordar mais. Quem, como eu, teve uma vida universitária nos EUA, intui o enorme impacto que teria a vinda de professores universitários com outra "cultura" nas nossas faculdades. De resto, experiência breve e enormemente profícua, ocorreu na segunda grande guerra, com a permanencia de alguns refugiados judeus. Infelizmente, pelo menos alguns deles, passado algum tempo prerferiram os EUA...
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