sábado, 23 de junho de 2007

Portugal — Global e Local

Há alguns anos, 1993, chegava a um pequeno hotel no Boulevard Hausman para me ir deitar. Pedi a chave do quarto e enquanto esperava junto ao balcão pelo elevador o porteiro (que era o dono do hotel e fazia o turno da noite de Sábado) ouviu-me falar português. Perguntou-me se era português, respondi afirmativamente. Disse ele: “Bem me parecia, é uma língua maravilhosa, ainda há dias fui ver o Vale Abraão do vosso Manoel de Oliveira. Vou ver sempre os filmes portugueses e gosto muito do Oliveira, e depois, a vossa língua...”

Numa outra ocasião, 2005, desloquei-me a Los Angeles para ir ao atelier de Frank Ghery e enquanto lá estive fui visitar o Walt Disney Concert Hall. Simpaticamente, um dos arquitectos que nos acompanhou naqueles dias, destacou um outro colega para nos guiar na visita ao edifício. O nosso guia era um arquitecto de origem chinesa que tinha estado ligado ao projecto de Ghery em Espanha nas vinhas de Riscal. Contou-me o arquitecto chinês de Los Angeles que uma vez, em Espanha, alguém lhe pediu para ligar a Álvaro Siza Vieira o que ele fez com alvoroço, e quando a voz do próprio Álvaro Siza lhe respondeu do outro lado, ele ficou mudo e balbuciante como se não acreditasse que estava a falar com o próprio, tal era a emoção.
Lembro-me do post do Paulo Pereira da Silva neste G60, sobre o chinês de Aukcland que se interrogava sobre o destino da Escola de Sagres e lembro-me de uma história de Agostinho da Silva contada na primeira pessoa a um grupo de quatro estudantes de arquitectura em me incluía, na sua casa no Abarracamento de Peniche, passava o ano de 1985: “Um dia cheguei a Nagasaki para visitar uns jesuítas e tendo chegado uma hora antes deambulei pela rua para fazer tempo. Havia naquela rua algo que me era familiar. Finalmente, quando chegou a hora do encontro dirigi-me à casa dos jesuítas e logo perguntei porque razão me era tão familiar aquela rua. Prontamente, o religioso me respondeu — É que esta é tipicamente uma rua direita conforme as ruas direitas de Portugal — e lembrou-lhe que Nagasaki tinha sido desenhada por portugueses.
O que há de comum nestas histórias não é talvez o que se possa encarar, actualmente, como estratégia de exportação de Portugal (passe a expressão), ou seja, como podemos nós ir e vencer no mercado global. Não se trata apenas de ir. Trata-se antes de ir levando o quê. É a construção dessa diferença que nos devia ocupar em vez de estarmos concentrados no benchmarking que nos faz ser iguais aos outros, iguais mas sempre um pouco atrasados. O benchmarking só tem interesse para podermos antecipar o passo dos outros não para tentarmos sermos recebidos como pares no seu clube. Temos bons e variados exemplos de liderança internacional de pessoas e de reconhecimento da qualidade portuguesa em diversas empresas. Normalmente, não são as que ficam à espera do Estado, são as que avançam com estratégia e visão contra ventos e marés.
O Portugal global tem de começar pela reinvenção do Portugal local e se for bom cá também será bom lá, porque a globalização não é só uma luta fora de portas, ela começa dentro de portas porque é aqui que os outros também se globalizam.
Quando dou por mim a pensar neste tema da globalização tendo a interrogar-me se devo pensar como a devemos fazer, ou se, tendo sido um povo de expansão global, devo pensar no que é que entretanto perdemos?

2 comentários:

António de Almeida disse...

-Há já uns anos, tendo-me deslocado a Paris em viagem profissional, num dos dias livres que dispus, fui dar uma volta pela FNAC (ainda não existia em Portugal), passeei pelos campos elíseos, regressei ao hotel, e descobri uma brasserie que nem reparei no nome, mas que servia um café expresso do meu agrado. À noite estava com uns colegas no hotel, o café era uma "banheira", e tendo dito a alguns que existia um sítiozinho agradável ali perto logo alguns se dispuseram a acompanhar-me, lá fomos, sentámo-nos, veio o empregado para tomar nota do pedido, e como nós (eramos uns 8), conversássemos descontraidamente, soou uma voz de traz do balcão, sobrepondo-se ao empregado de mesa, "quantas bicas querem", sentimo-nos em casa, e eu que já lá tinha ido durante a tarde, e não reparei no nome, naquela noite à saída não pude deixar de o fazer, "Chez Pereira"!

Anónimo disse...

A julgar por este post e pelo comentário acima, o que parece ter-mos perdido foi o juízo!