sábado, 16 de junho de 2007

Liberalismo e Arquitectura (1)

A primeira assumpção que fazemos é a de que vivemos num tempo em que abundam os diagnósticos mas escasseiam as respostas. Há, no domínio da opinião, a convicção, senão mesmo o consenso, que, de algum modo, tudo já foi experimentado e tudo já mostrou as suas fragilidades e os seus evidentes insucessos. Politicamente, a prova da desistência é a redução da percepção da vida política à perspectiva quase exclusiva da vida económica, como se a realidade económica se sobrepusesse a todas as outras formas da existência em que o ser humano e as comunidades humanas vivem e se manifestam: o conforto e a riqueza como finalidades da existência, garantia da realização pessoal e da autonomia individual.

Há, entre outras, uma razão para isso: as relações humanas têm na vida económica o ponto de contacto mínimo necessário para a organização da subsistência, primeiro, do bem estar, depois, e da satisfação lúdica, por fim. Podemos nada ter em comum com os outros, podemos até rejeitá-los, mas sempre temos de minimamente contactá-los para trocar bens e serviços de que temos necessidade e que, no nosso isolamento, não conseguimos produzir.
Temos, pois, de reconhecer, que pelo menos num nível mínimo somos seres de comunidade e de relação. E se assim é, há um plano ou grau da nossa vida em que partilhamos interesses comuns e que desejamos seja, no nosso interesse, um espaço em que a liberdade individual não seja posta em causa. Este espaço é o espaço público. O espaço público é um lugar de encontro e de convívio a que, individualmente, cada um acede por iniciativa própria, na procura de um complemento de si, naquilo em que não se realiza isoladamente, e no qual aceita, não só a liberdade de iniciativa dos outros, como, também, tem a expectativa de ser aceite pelos outros. A qualidade desse espaço público é o reflexo do que as iniciativas individuais, no seu movimento, dão e recebem na construção de uma liberdade partilhada que é, ao mesmo tempo, a garantia da liberdade individual. A redução à economia é, apenas, a redução ao grau mais baixo ou elementar das relações humanas. A história do amor mostra-nos que não é só a economia que orienta as nossas vidas.
A construção do espaço público comum tem duas formas institucionais de se fazer representar: o direito e a arquitectura. O direito, cuja finalidade está na ideia da Justiça, como disciplina que organiza e hierarquiza os interesses individuais em ordem ao interesse comum e a arquitectura, cuja finalidade está na ideia de Paraíso, como disciplina que organiza e hierarquiza os lugares, como palcos, onde os indivíduos permanecem e partilham as suas vidas. O direito e a arquitectura são sempre o espelho de uma comunidade e dos seus valores, dos seus interesses individuais e da sua ideia de partilha, comunhão e de verdade. Tudo o resto pode intervir no tempo da existência sem influir no espaço da existência, ou pode influir no espaço da existência de modo fortuito e episódico sem que transcenda o tempo da sua apresentação. Tudo o resto pode, até, marcar o tempo e constituir uma memória, pode vir a influenciar o direito e a arquitectura, mas o direito e a arquitectura não têm, pela sua natureza, outra forma de concretização que não seja a determinação efectiva das relações entre os homens e a sua hierarquia e a organização do espaço como um palco onde se concretizam essas relações. Um poema, um quadro, uma peça, um filme, podem estar fora do seu tempo (antes ou depois), podem ficar guardados numa cave ou num baú, mas as leis e os seus princípios, as praças, as ruas, as casas e os monumentos estão sempre presentes no mesmo espaço, um espaço concreto e determinado.
As comunidades, os países, os estados, as nações e as pátrias são um reflexo do seu direito e da sua arquitectura enquanto expressão da sua ideia de espaço público e de espaço privado, ou seja, da sua ideia de liberdade.

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