sábado, 2 de junho de 2007

A Física do Cristianismo: e ao terceiro livro passou-se!


Frank Tipler (ver também aqui) é um físico teórico bona fide. Não é um maluquinho - é um cientista da Universidade de Tulane, com vários livros científicos e mais de cinquenta artigos e publicados nas melhores revistas internacionais de Física. Trabalha sobretudo em áreas de Cosmologia e Relatividade. Mas passou-se.


Nua sua primeira incursão pela divulgação científica, The anthropic cosmological principle, publicado nos anos 80 em co-autoria com o cosmólogo britânico John Barrow, Tipler começa a debitar algumas ideias pseudo-científicas no mínimo bastante discutíveis. No seu Física da Imortalidade (publicado entre nós pela Bizâncio), de que já é autor único e data de 1994, Tipler já vende descaradamente banha da cobra em todo o seu esplendor: apela à sua autoridade em Física para “provar” a existência da vida depois da morte, proporcionada por uma “inteligência artificial” a que chama “ponto Ómega” e identifica com Deus, um pouco à la Teilhard de Chardin com aggiornamento. O livro conclui com um "apêndice científico" de 110 páginas de equações, obviamente impenetráveis e impressionantes para o leigo, mas que deixam qualquer cientista de cara à banda, pois pouco ou nada têm a ver com o que Tipler afirma. A pseudo-ciência no seu melhor. O que tudo isto tem a ver com Física a sério fica ao cuidado do leitor interessado (ou desinteressado, como é o meu caso).

Se isto já era muito mau, ao terceiro livro Tipler passou-se completamente. Ele acaba de publicar, em Maio de 2007, The physics of christianity. O objectivo é nem mais nem menos do que explicar os milagres da vida de Jesus Cristo à luz da Física Moderna. O primeiro capítulo pode ser encontrado na sua página em Tulane, aqui. Não é preciso ser físico teórico para começar a perceber o desvario.

A ideia central é que milagres são acontecimentos raros – muito raros. Não impossíveis, mas muito raros. Mas Tipler vai mais longe do que procurar a explicação na Física conhecida: quando ela não existe ou todos os dados apontam contra ela, Tipler distorce a realidade para lá do ponto de rotura até ficar de acordo com aquilo em que ele acredita, deixando-nos com a sensação de que afinal tinha sido sempre esse o objectivo. É um livro pseudo-científico, perverso e perigoso.

O facto de Tipler ser um cientista respeitável pode dar a ideia de que está a ser honesto. Não está! Leiam-se por exemplo as críticas dos físicos Lawrence Krauss na New Scientist (More dangerous than nonsense) ou Vic Stenger. Ele distorce a Física conhecida de acordo com as suas conveniências. Para citar Krauss, “Tipler afirma que o modelo standard da Física de Partículas é completo e exacto. Não é. Afirma que temos uma visão coerente e clara da gravidade quântica. Não temos. Afirma que o Universo irá entrar numa fase de colapso. Não tem de o fazer, e tudo o que sabemos actualmente indica que é o contrário que vai acontecer. Afirma que compreendemos a natureza da energia escura: não compreendemos. Afirma que sabemos existir mais matéria do que antimatéria no Universo. Não sabemos. E assim por diante”.

Mas, para lá de permitir semelhantes exercícios desconstrucionistas, o livro de Tipler é fundamentalmente desonesto. Ele afirma que o nascimento de Jesus a partir da Virgem Maria se deu essencialmente por geração espontânea, sendo Jesus portanto homozigótico XX, sendo parte de um dos cromossomas X inactivado para funcionar como Y. A prova está na análise de DNA ao sangue deixada por Jesus no Sudário de Turim – que, infelizmente para Tipler, há muito se sabe ter sido forjado no século XIV. Não contém sangue: contém tintas. Claro que Tipler não acredita nisto, mas é precisamente o que caracteriza o seu livro - uma profissão de fé camuflada por trás de uma nuvem de pseudo-ciência que até pode parecer plausível a leigos.

Andar sobre o mar? Ressuscitar dos mortos? Simples. Bastou esperar 21 séculos para percebermos. Segundo Tipler, as partículas dos átomos do corpo de Jesus decaíram espontaneamente em neutrinos e antineutrinos. Para andar sobre as águas, estes proporcionaram uma espécie de “almofada” de partículas sobre a qual a caminhada teve lugar. Para a Ressurreição, o processo essencialmente inverteu-se: as partículas, ao terceiro dia, “des-decaíram” e voltaram a formar o corpo de Jesus.

Tão simples quanto isto. Mas quando eu parto um copo, os cacos não se voltam a unir, pois não? É uma chatice, chamada Segunda lei da termodinâmica. Para Jesus é pior: o decaimento do protão conduz a uma diferença de cerca de 100 ordens de grandeza! Isto corresponde a uma hipótese de acontecer em um milhão de milhões de milhões de... (um milhão corresponde a seis zeros: continue o leitor a enfileirar milhões até chegar a cem zeros). Impossível, não? Não para Tipler: ele usa uma versão grotesca do princípio antrópico que afirma que, se estamos aqui, é porque aconteceu. Curiosamente, esse princípio é aplicável não apenas ao Deus cristão, mas a qualquer Deus, ou mesmo a qualquer crença.

O Prémio Templeton, no valor de 1,2 milhões de euros (há quem diga que o valor foi escolhido para ser superior ao Nobel) e instituído pela Templeton Foundation, cujo objectivo declarado em grandes parangonas na página de entrada é "Supporting Science - investing in the big questions" premeia individualidades que consigam a proeza de aproximar a ciência da religião. Tipler esteve quase a ganhar com o seu Physics of Immortality; em 2006 o premiado foi o seu co-autor John Barrow. Agora, com Physics of Christianity, deve ser o eleito. Mesmo que a verdade seja a sua primeira vítima.

5 comentários:

Sofia Galvão disse...

Gostei do aviso. Decidi que não vou ler o Tipler. E, de caminho, agradeço a evocação do Teilhard: esse vale a (re)leitura.

Nuno Lobo Antunes disse...

Já agora...embora as mulheres tenham 2 cromossomas XX, a verdade que um deles é inactivado de forma ,"random", nm processo chamado de lionização. Assim, se um dos X fosse inactivado, Jesus Cristo seria muito parecido com a sua mãe...(mas quem sabe se Deus é efectivamente mulher?)

Anónimo disse...

haja jesus ou não, não percebo o sentido da vida.

Pablo disse...

"Qual o sentido da vida?"
Essa é q é A questão, e mais nenhuma!

E hoje com tantas distrações, tanta pressa, tanto stress, cada vez numa fase mais tarde da vida é que somos confrontados com ela... pode tardar, mas n há como escapar! Seja pelo o destruir de tudo o q acreditávamos, carreira, o casamento com mulher por quem abdicámos tudo, ou a morte de alguem mt próximo!

Até aí, somos um putos mimados que pensamos que sabemos mt da vida para poder opinar, e pensar que sabemos o que queremos, o q a vida é, e q a temos na mão!

Rodrigo disse...

Claramente está que o que se demonstra é um apelo a atacar ex-ante o livro, por falar de coisas que passionalmente o resenhista rejeita, por desejo, a priori. Isso é ruim, porque se fôssemos guiados assim, o debate intelectual acabaria. Ficaria cada um apaixonadamente cerrado em suas fileiras, surdo ao que tudo o mais se escreve.

Quem não fosse apaixonadamente cético não poderia ler Carl Sagan, dentre outros. Patético e infantil isso.

Interessante é o que é revelado nos detalhes: "leitor desinteressado". Ou seja, a resenha revela muito mais do resenhista do que do livro de Tipler - ao qual ele nem ao menos tenta entrar em diálogo científico, por não ter cabedal, mas apela a autoridades de cientistas recortados criteriosamente, sem colocar os comentários aprovadores de outros.

Tristes tempos estes nossos...