terça-feira, 5 de junho de 2007

Dr. Morte



O Dr. Jack Kevorkian, também conhecido por «Dr. Death», está de volta. No passado mês de Maio saiu da prisão onde passou os últimos oito anos depois de ter assumido que tinha «assistido» 130 pacientes terminais a pôr termo às suas vidas.
Como esta semana o NYT lembrava em editorial, o Dr. Morte está longe de ser um defensor ortodoxo da causa da eutanásia embora tenha conseguido como mais ninguém dar-lhe visibilidade e actualidade na sociedade americana. Com um gosto indesmentível pela provocação, chegou a gravar (e obviamente a ver emitidos em TV) alguns dos «suicídios» que promoveu. Por mais de uma vez desafiou abertamente as autoridades a julgá-lo. Mais grave, nem sempre actuou tendo um conhecimento profundo e de longa data dos seus «pacientes». Para Kevorkian os fins sempre justificaram os meios.
Mas se tendo a franzir o nariz ao homem e aos seus métodos, devo confessar que no essencial apoio a sua causa. Faço-o, bem entendido, com as dúvidas e as perplexidades que não podem deixar de existir quando se lida com matéria tão dramática e tão sensível. Faço-o disposto a aceitar as reservas e os cuidados múltiplos de que uma legislação séria sobre a eutanásia ou o suicídio medicamente assistido deve revistir-se. Mas, no fim do dia, assumo alguma radicalidade da minha concepção liberal da pessoa humana e defendo o direito de cada um de nós dispôr da sua própria vida. Ainda que seja, numa decisão de desespero de que mais ninguém pode ser o juiz, para acabar com ela.

5 comentários:

Jorge Buescu disse...

O Kevorkian é um incendiário, mas à parte os sentimentos pelo senhor eu não consigo deixar de achar que, em princípio, tal como controlo a minha vida e a dignidade com que a vivo, também devo poder controlar a minha morte e a sua dignidade.

O Carl Djerassi (para quem não associa logo, o inventor da pílula) escreveu uma série de romances científicos brilhantes. Num deles, "The Bourbaki gambit", a trama passa-se em torno de uma colaboração científica com vista a encontrar uma cura para o cancro. Termina com um caso de amor entre um casal entradote, o cientista senior e a financiadora do projecto, que oferecem um ao outro o seguinte presente de casamento:

Uma caixa contendo veneno de acção imediata, compromentendo-se cada um a administrar o conteúdo ao outro no caso de ele contrair cancro.

Tendo passado muito de perto pela experiência do cancro prolongado, em que todos os dias se morre um pouco, achei esta cena tocante.
Em princípio não consigo discordar da eutanásia voluntária, e faria o mesmo. Gostaria de ouvir o que têm os médicos deste blog a dizer.

Há tempos fiz esta pergunta a um amigo médico que me disse que o Juramento de Hipócrates é mais "uma declaração de intenções"...

Anónimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

A forma como o Pedro Norton e o Jorge Buescu escrevem sobre esta matéria tão problemática levam-me a apenas um comentário: faço minhas as palavras deles - salientando que gostava sinceramente de ouvir mais dos médicos.

António de Almeida disse...

-O problema é que para se condeguirem resultados e fazer com que a sociedade avance, são necessários métodos pouco convencionais, é o caso do "Dr.Morte", daqui a uns anos a eutanásia estará legalizada em todo o mundo civilizado, mas por ora a comunidade científica e a humanidade divide-se. Não foi sempre assim? Galileu, Copérnico, Colombo, Darwin, Newton ou Freud foram consensuais no tempo em que viveram? No entanto graças a eles o mundo avançou! Enquanto não existir cura para o sofrimento a eutanásia estará sempre na ordem do dia, e um dia será aceite, como o foram a pílula, o aborto etc, etc...

José Eduardo Sousa disse...

Meus caros, subscrevendo a posição liberal de podermos escolher a dignidade inerente ao fim da vida, cuja ausência poderia justificar a eutanásia, existe uma questão que muitas reservas me coloca. o homem é um bicho complicado, creio que num cenário de legalização deste processo, existiria muito boa gente a quem seria administrada a eutanásia como forma de resolver problemas financeiros de terceiros, herdeiros e outros que tais. Com certeza dirão que tem de se regulamentar, que se criarião mecanismos que tal não permitisssem, mas ainda vivemos em Portugal, não vivemos?

Abraços e bem hajam.