Salazar, a Europa e... Caetano
Esta coisa de se escrever em blogs significa que devemos procurar a polémica, ou não? – Enquanto que espero pela resposta, permito-me pegar numa citação sobre Salazar e a Europa retirada de um texto de um dos mais reputados economistas portugueses, Luís Cabral, publicado em http://cachimbodemagritte.blogspot.com/2007/04/mal-agradecidos.html.
O pretexto com que faço isto é o da recente passagem do Dia da Europa (data da “Declaração de Schuman” de 9 de Maio de 1950, que levou à CECA) e da próxima comemoração dos 60 anos do anúncio do Plano Marshall, no famoso discurso que o Secretário de Estado norte-americano fez na Univesidade Harvard.
O pretexto com que faço isto é o da recente passagem do Dia da Europa (data da “Declaração de Schuman” de 9 de Maio de 1950, que levou à CECA) e da próxima comemoração dos 60 anos do anúncio do Plano Marshall, no famoso discurso que o Secretário de Estado norte-americano fez na Univesidade Harvard.
A citação de que se trata é esta: “Um dos grandes erros do Salazar – erro que pagámos caro – foi a postura do ‘pobre mas honrados’ (em relação ao Plano Marshall) e ‘orgulhosamente sós’ (em relação à Europa).” Esta citação remete para um mito e um pressuposto porventura errado.
Portugal é um país activo na diplomacia europeia há muito, muito tempo, naturalmente, e essa ligação é crucial para todos os aspectos da vida nacional, incluindo as relações com África e o Brasil. Nas últimas duas décadas, o papel da integração europeia na modernização da sociedade portuguesa foi crucial, a tal ponto que tudo o que se faz agora é feito numa perspectiva de abertura ao exterior, condição fundamental para que um pequeno país se desenvolva e de forma equilibrada.
O mito é o de que Portugal não participou no Plano Marshall, porque Salazar não o quis. Ora, a verdade é que o contrário aconteceu. A ideia de que Portugal ficou de fora decorre da confluência de dois interesses: do Regime, que queria fazer crer que Portugal não precisava da ajuda “americana”; e da oposição e seus historiadores que aproveitaram mais essa acha para atacar o regime.
Mas o que aconteceu foi que Portugal chegou a 1947 com uma grande reserva de meios de pagamento sobre o exterior (ouro, dólares, libras), resultantes da forte exportação durante a segunda Guerra Mundial, e o Plano Marshall era para quem disso tinha pouco. Mas as reservas também em Portugal rapidamente se esgotaram (dizem que por causa da necessidade de importação de muitos alimentos – mas ainda não consegui ler bem esta parte da história) e, no ano seguinte, em 1948, o governo português decidiu de facto aderir ao Plano Marshall, sendo membro fundador da Organização Europeia de Cooperação Económica, criada por causa do Plano, no mesmo ano.
Portugal entrava no Plano Marshall e passava a integrar o pelotão da frente (grande, eram 16 países) do movimento de integração europeia. A OECE foi crucial nos primeiros passos da redução das barreiras ao comércio na Europa e foi no seu interior que foram criadas as duas grandes instituições da integração europeia da década seguinte, a CEE, em 1957, e a EFTA, em 1959. Entretanto, em 1950, Portugal também aderira à União Europeia de Pagamentos, que foi brevemente muito importante para a restauração dos fluxos comerciais.
O Plano Marshall teve alguma importância mas foi dirigido a um número reduzido de problemas e durou poucos anos: em 1952 estava feito. O mais importante que dele saiu foi a OECE. Note-se ainda que o aprofundamento da integração europeia que se seguiu se deveu sobretudo aos governos europeus e não tanto aos EUA, cujo papel foi crucial, isso sim, na Defesa.
Assim, o governo português esteve totalmente em cima dos acontecimentos da integração europeia. O que se pediria mais? Que Portugal aderisse à Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, sectores que virtualmente não existiam neste país? Ou mesmo que aderisse à Comunidades de 1957 e se juntasse aos Seis? Pensar que isso poderia ter acontecido é talvez esquecer a verdadeira essência desses tratados que visavam sobretudo resolver problemas de produção, comércio externo e políticas públicas da Europa mais industrializada. E, não esquecer, em 1959, o país aderiu à versão mais suave e possível da integração europeia, a EFTA.
Não houve, na conclusão que posso oferecer, oportunidades de integração perdidas e, ao contrário, Salazar seguiu aquilo que era importante seguir na Europa. Isso não é de estranhar: o Ditador conhecia a história do país e sabia a importância da Europa. Não se dizia europeu nos discursos porque a sua base política amava a África (já agora um outro mito: o de que essas duas vertentes diplomáticas e económicas eram concorrenciais, quando eram – e são – complementares).
A interpretação que aqui proponho dura pelo menos até 1969, data do terceiro pedido de adesão do Reino Unido e de alguns vizinhos seus, o qual viria finalmente a consubstanciar-se no primeiro alargamento das Comunidades, em 1973. Esse passo podia talvez ter sido seguido por Portugal, por via da sua ligação à EFTA e ao RU. Não o foi (Portugal apenas assinou um importante tratado comercial com a CEE, em 1972). Mas, dessa vez, não era também o regime que não gostava da Europa. Nessa altura era já a opinião pública europeia que não gostava de Portugal por causa, obviamente, da guerra colonial.
Estas conclusões têm relevância para a História Económica e para a interpretação da actual economia portuguesa: delas podemos deduzir que, historicamente, o potencial de integração deste país na Europa e, por conseguinte, o potencial de crescimento económico, esteve quase sempre bem realizado. Termino com esta ideia, mais facilmente contestável, à la blog.
O mito é o de que Portugal não participou no Plano Marshall, porque Salazar não o quis. Ora, a verdade é que o contrário aconteceu. A ideia de que Portugal ficou de fora decorre da confluência de dois interesses: do Regime, que queria fazer crer que Portugal não precisava da ajuda “americana”; e da oposição e seus historiadores que aproveitaram mais essa acha para atacar o regime.
Mas o que aconteceu foi que Portugal chegou a 1947 com uma grande reserva de meios de pagamento sobre o exterior (ouro, dólares, libras), resultantes da forte exportação durante a segunda Guerra Mundial, e o Plano Marshall era para quem disso tinha pouco. Mas as reservas também em Portugal rapidamente se esgotaram (dizem que por causa da necessidade de importação de muitos alimentos – mas ainda não consegui ler bem esta parte da história) e, no ano seguinte, em 1948, o governo português decidiu de facto aderir ao Plano Marshall, sendo membro fundador da Organização Europeia de Cooperação Económica, criada por causa do Plano, no mesmo ano.
Portugal entrava no Plano Marshall e passava a integrar o pelotão da frente (grande, eram 16 países) do movimento de integração europeia. A OECE foi crucial nos primeiros passos da redução das barreiras ao comércio na Europa e foi no seu interior que foram criadas as duas grandes instituições da integração europeia da década seguinte, a CEE, em 1957, e a EFTA, em 1959. Entretanto, em 1950, Portugal também aderira à União Europeia de Pagamentos, que foi brevemente muito importante para a restauração dos fluxos comerciais.
O Plano Marshall teve alguma importância mas foi dirigido a um número reduzido de problemas e durou poucos anos: em 1952 estava feito. O mais importante que dele saiu foi a OECE. Note-se ainda que o aprofundamento da integração europeia que se seguiu se deveu sobretudo aos governos europeus e não tanto aos EUA, cujo papel foi crucial, isso sim, na Defesa.
Assim, o governo português esteve totalmente em cima dos acontecimentos da integração europeia. O que se pediria mais? Que Portugal aderisse à Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, sectores que virtualmente não existiam neste país? Ou mesmo que aderisse à Comunidades de 1957 e se juntasse aos Seis? Pensar que isso poderia ter acontecido é talvez esquecer a verdadeira essência desses tratados que visavam sobretudo resolver problemas de produção, comércio externo e políticas públicas da Europa mais industrializada. E, não esquecer, em 1959, o país aderiu à versão mais suave e possível da integração europeia, a EFTA.
Não houve, na conclusão que posso oferecer, oportunidades de integração perdidas e, ao contrário, Salazar seguiu aquilo que era importante seguir na Europa. Isso não é de estranhar: o Ditador conhecia a história do país e sabia a importância da Europa. Não se dizia europeu nos discursos porque a sua base política amava a África (já agora um outro mito: o de que essas duas vertentes diplomáticas e económicas eram concorrenciais, quando eram – e são – complementares).
A interpretação que aqui proponho dura pelo menos até 1969, data do terceiro pedido de adesão do Reino Unido e de alguns vizinhos seus, o qual viria finalmente a consubstanciar-se no primeiro alargamento das Comunidades, em 1973. Esse passo podia talvez ter sido seguido por Portugal, por via da sua ligação à EFTA e ao RU. Não o foi (Portugal apenas assinou um importante tratado comercial com a CEE, em 1972). Mas, dessa vez, não era também o regime que não gostava da Europa. Nessa altura era já a opinião pública europeia que não gostava de Portugal por causa, obviamente, da guerra colonial.
Estas conclusões têm relevância para a História Económica e para a interpretação da actual economia portuguesa: delas podemos deduzir que, historicamente, o potencial de integração deste país na Europa e, por conseguinte, o potencial de crescimento económico, esteve quase sempre bem realizado. Termino com esta ideia, mais facilmente contestável, à la blog.
3 comentários:
Muito interessante, destruindo muitos lugares-comuns. Só não vejo a pertinência da referência a Caetano.
Foi ele que não procurou a adesão à CEE? Mas como seria politicamente possível, se Portugal era permanentmente censurado na ONU pelo bloco afro-asiático, suportava uma guerra de geurrilha correspondente, à nossa escala, ao Vietname, era um país (perdoe-se-me o lugar-comum, mas em 1974 fui com a escola visitar favelas em...Alvalade!!!) atrasado, pobre, subdesenvolvido, rural, quase feudal à parte uma industrialização pontual (cintura industrial de Lisboa e as sete famílias)...
O Pedro que me perdoe, mas o Portugal de 1970 estava mais próximo de uma capital do 3º mundo,
(e 3º mundo profundo, não falo de Buenos Aires ou São Paulo!) do que do G7 europeu - o Benelux, Itália, França, Alemanha e RU. Para onde continuaram a ir os nossos emigrantes durante décadas... e a culpa não era de Caetano. Enfim, pelo menos num certo sentido...
-Como poderia ter Salazar aderido ao plano Marshall, pois este não poderia coexistir com a existência das colónias, e forçosamente significaria o fim da ditadura? E foi pena, pois se o tivesse feito, teria Portugal sido económicamente desenvolvido como os demais países europeus, Salazar seria hoje um herói, pois além de nos ter poupado à guerra, teria recuperado as finanças, e se tivesse apostado na democracia até talvez tivesse sido o impulsionador do desenvolvimento, teriamos certamente aderido à C.E.E. mais cedo, teriamos feito outra descolonização, e teríamos poupado os nossos irmãos africanos a ditaduras marxistas mais ou menos sanguinárias, não teriamos vivido o PREC, nem a selvajaria que ocorreu neste país por esses tempos, o Partido Comunista não teria encontrado apoio popular, estabelecido as suas bases de apoio, e influenciado negativamente como aconteceu, o futuro (agora presente), de Portugal. Faltou visão, mas isso em Portugal faltou sempre!
Espero, sinceramente que este texto não traga nada de novo para a maioria das pessoas, pois acreditar que Portugal não aderiu ao Plano Marshall é uma imbecilidade.
Só tenho uma rectificação a fazer: quando se diz que Portugal, no seguimento da segunda grande guerra, era um país com muito ouro e libras por causa das grandes exportações é errado. A razão, que também é a razão pela qual Portugal esteve com um pé atrás ao entrar no plano foi, como referiu Lumbrales "o problema do ouro da Alemanha (...) cuja legitimidade de posse nos é contestada." Esta era a maior fatia do ouro e libras (que era pouco ao contrário do que se pensa) que Portugal tinha.
Para mais informações vejam a revista História, 2ª série, nº32, Junho/97
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