O tempo da justiça
Vale a pena voltar a discutir a crise na CML. Não tanto para fazer leituras políticas e muito circunstanciadas da decisão de Marques Mendes (nesse plano, devo reconhecer que o líder do PSD, depois dos precedentes de Valentim Loureiro e Isaltino Morais, não tinha muitas alternativas). Mas para reflectir sobre o que é verdadeiramente essencial.
E o que é verdadeiramente essencial tem, na minha opinião, o potencial para ser uma verdadeira bomba-relógio da nossa democracia.
Refiro-me à fundamental incompatibilidade entre o tempo da justiça e o tempo mediático. Que é exactamente a mesma incompatibilidade que existe entre o tempo da política e o tempo mediático. E todos sabemos que esta última incompatibilidade tem vindo a criar importantes rupturas num sistema democrático representativo que foi concebido para casar os valores da igualdade política com as virtudes da reflexão, da ponderação, da deliberação, e da construção de consensos (prometo voltar mais tarde a este tema). E que são as mesma rupturas que agora aparecem no edifício da justiça.
Senão vejamos: enquanto a justiça reclama reflexão, os media reclamam imediatismo. Enquanto a justiça reclama ponderação, os media exigem dramatismo. Enquanto a justiça reclama por garantias, os media exigem resultados. São linguagens, lógicas, filosofias em tudo antagónicas e largamente irreconciliáveis. E como esta incompatibilidade é fundamental e praticamente irresolúvel assistiremos sempre ao sacrifício de um dos sistemas de valores em detrimento do outro. Para já, parece claro que é a justiça a sacrificada. Na impossibilidade de conciliar os seus tempos e os seus processos com as exigências dos media, a justiça perverte-se, deixa cair princípios, abandona dogmas. E transforma-se lentamente numa justiça mediática, com regras diferentes e muito próprias, que são as únicas que podem vigorar no espaço mediático
Basta recuar até ao mega-processo da Casa Pia para que se perceba na prática o alcance dramático desta incompatibilidade fundamental: a justiça «tradicional» ainda não fez o seu curso enquanto que a justiça «mediática» já há muito apontou vítimas e culpados. E não há nada que a primeira possa vir a fazer para alterar o veredicto da segunda. O mesmo se passou na CML. E não vale a pena perdermos tempo com conversas fiadas sobre presunções de inocência. Carmona Rodrigues foi, para todos os efeitos, julgado e condenado no tribunal da opinião pública. E, no espaço mediático, é esse o tribunal que conta.
Mas o caso da CML comporta ainda uma nova dimensão. Já não se trata, como na Casa Pia, apenas de proceder a um julgamento com regras e processos próprios. Trata-se de tirar daí ilações políticas. E se é verdade que Marques Mendes não tinha grandes alternativas, não é menos verdade que o caminho que inaugurou pode ter a prazo consequências imprevisíveis. Ou alguém duvida que com o precedente criado se abre espaço para a intervenção política (i.e. com consequências políticas) do Ministério Público e dos Juízes? Ou alguém duvida que doravante serão eles quem tem o poder de decidir se tal ou tal responsável político é digno de se manter no cargo ou deve ser forçado a abandoná-lo?
Perigoso caminho este.
E o que é verdadeiramente essencial tem, na minha opinião, o potencial para ser uma verdadeira bomba-relógio da nossa democracia.
Refiro-me à fundamental incompatibilidade entre o tempo da justiça e o tempo mediático. Que é exactamente a mesma incompatibilidade que existe entre o tempo da política e o tempo mediático. E todos sabemos que esta última incompatibilidade tem vindo a criar importantes rupturas num sistema democrático representativo que foi concebido para casar os valores da igualdade política com as virtudes da reflexão, da ponderação, da deliberação, e da construção de consensos (prometo voltar mais tarde a este tema). E que são as mesma rupturas que agora aparecem no edifício da justiça.
Senão vejamos: enquanto a justiça reclama reflexão, os media reclamam imediatismo. Enquanto a justiça reclama ponderação, os media exigem dramatismo. Enquanto a justiça reclama por garantias, os media exigem resultados. São linguagens, lógicas, filosofias em tudo antagónicas e largamente irreconciliáveis. E como esta incompatibilidade é fundamental e praticamente irresolúvel assistiremos sempre ao sacrifício de um dos sistemas de valores em detrimento do outro. Para já, parece claro que é a justiça a sacrificada. Na impossibilidade de conciliar os seus tempos e os seus processos com as exigências dos media, a justiça perverte-se, deixa cair princípios, abandona dogmas. E transforma-se lentamente numa justiça mediática, com regras diferentes e muito próprias, que são as únicas que podem vigorar no espaço mediático
Basta recuar até ao mega-processo da Casa Pia para que se perceba na prática o alcance dramático desta incompatibilidade fundamental: a justiça «tradicional» ainda não fez o seu curso enquanto que a justiça «mediática» já há muito apontou vítimas e culpados. E não há nada que a primeira possa vir a fazer para alterar o veredicto da segunda. O mesmo se passou na CML. E não vale a pena perdermos tempo com conversas fiadas sobre presunções de inocência. Carmona Rodrigues foi, para todos os efeitos, julgado e condenado no tribunal da opinião pública. E, no espaço mediático, é esse o tribunal que conta.
Mas o caso da CML comporta ainda uma nova dimensão. Já não se trata, como na Casa Pia, apenas de proceder a um julgamento com regras e processos próprios. Trata-se de tirar daí ilações políticas. E se é verdade que Marques Mendes não tinha grandes alternativas, não é menos verdade que o caminho que inaugurou pode ter a prazo consequências imprevisíveis. Ou alguém duvida que com o precedente criado se abre espaço para a intervenção política (i.e. com consequências políticas) do Ministério Público e dos Juízes? Ou alguém duvida que doravante serão eles quem tem o poder de decidir se tal ou tal responsável político é digno de se manter no cargo ou deve ser forçado a abandoná-lo?
Perigoso caminho este.
5 comentários:
Curiosamente, em conversa com a minha mulher - tida momentos antes de revisitar a vossa excelente Geração - comentávamos o grito de alarme de Helena Roseta, que bateu com a porta ao PS e ameaça arregimentar os batalhões de M. Alegre. Dizia-me ela (a minha mulher...) que o eleitorado bipolar de Lisboa não tinha por onde escolher - o que prova no mínimo a oportunidade política do gesto de Roseta. A Comissão de Gestão que tomar Lisboa será tomada por Lisboa, ou não fará nada.
Concordo absolutamente com a sua visão da esquizofrenia instituída nos tempos e, como você, acho que o cenário é do mais negro que se poderá conseguir. E a sequência descendente da auto-desculpabilização do poder até à ditadura colegial que nos chegará por via da Justiça exibe um tom de tragédia com o sabor da História - mas ainda sem um bom relato das consequências dessa mesma tragédia.
Vista a certa distância - mais propriamente do Porto, o que não é tão relativo assim -, Lisboa imagina-se num sonho selvagem onde se mistura a queda de Fulgêncio Baptista com o baile fantasmagórico de 'Shining' e múltiplas reuniões secretas em obscuras lojas maçónicas. Algo de funestamente distante no Tempo.
Arrisca-se mesmo a ter toda a razão - o que infelizmente é péssimo.
-Quando a justiça apreciar e chegar a uma conclusão sobre este caso, já não estará em funções o presidente da câmara que os lisboetas, e provavelmente nem o que se há-de-lhe seguir. Como escrevo no meu blog "Direito de opinião", reforma da justiça precisa-se para Portugal, e faço votos que apareçam muitas candidaturas independentes, quanto mais independentes eleitos, menos clientela partidária colocada nos lugares de acessores e empresas municipais, enfim menos boys. Uma última palavra, concordo com a manutenção da actual assembleia municipal, mas apenas por uma única razão, é que se as eleições forem apenas para a C.M.L. não existirão por parte do estado ( entenda-se todos nós) direito a qualquer subsídio aos partidos políticos. Por isso é que da esquerda à direita todos reclamam pela queda da assembleia, pudera, sempre entra mais dinheiro nos cofres partidários!
E acredite, caro António Eça de Queiroz, que preferia estar enganado...
Quanto ao ponto que levanta o António de Almeida: também não me parece que existam razões objectivas para a dissolução da Assembleia Municipal. Embora para qualquer observador atento seja evidente que a AM e a sua Presidente muito fizeram nos bastidores para que a situação na CML chegasse onde chegou. Mas isso são contas doutro rosário...
Lanço um desafio à Inspecção Geral das Finanças, que parece agora estar a funcionar de forma competente, porque não inspecionar todas os rendimentos dos autarcas e vereadores das nossas linda Câmaras, mas sem esquecer os vereadores da Oposição, pois estes andam sempre muito caladinhos!
Pedro, concordo consido. Mas ao desencontro entre os relógios da Justiça e da Política e à dependência gerada, no caso CML, entre os dois campos, deixe-me acrescentar o antagonismo criado entre os independentes e os partidos.
O cisma entre a sociedade civil e os partidos políticos emerge no dramatismo das palavras de Carmona Rodrigues, na radicalidade da candidatura de Helena Roseta e no desespero das escolhas dos maiores partidos onde a forte candidatura do PS desfalca o Governo na véspera da Presidência de Portugal na UE e o PSD deserta na importante Câmara de Sintra para tentar ganhar Lisboa. Em ambos os partidos, não haveria mais ninguém com valor? Parece que não, o que é confrangedor.
O centrão parece ter aprendido com o caso CML: independentes nunca mais. Carmona e Roseta dirão: partidos nunca mais.
E o Povo? Teria direito a mais escolhas nos partidos e entre os mais aptos da sociedade civil.
O saber não se faz apenas de experiencias mas de princípios que sobrevivam às experiências.
Enviar um comentário