terça-feira, 15 de maio de 2007

II. Vangelo di un pagano. Testo greco a fronte, Porfirio, Bompiani, 2006

É mais um lugar comum distinguir a moral de prazer dos antigos da moral de culpa cristã. Tese arcaica de um Tilgher e um Brochard que fez sucesso na geração dos anos 1960, mas sem nenhuma consistência histórica para quem lê os originais. A moral dita antiga é muitas morais, variando com as épocas e os lugares.

O cristianismo não teve de se opor no momento da sua ascenção a uma moral devassa, epicurista, hedonista, mas bem pelo contrário a uma moral pagã ascética, martirizando a carne, odiando o corpo. Em alguns casos este movimento roça a histeria, em Porfírio contém-se dentro de uma racionalidade bem estruturada, sem prejuízo de merecer críticas.

O que a Igreja teve de explicar é que o corpo não era a fonte de todo o mal, que a matéria não era o reino da ilusão, do mal ou do pecado enquanto tal. O que Porfírio tentou demonstrar era que Cristo sendo um homem divino (conceito algo diverso do actual) não poderia ser Deus feito homem, porque isso é absurdo perante a razão neogrega.

Toda esta discussão parece pretérita, de mera curiosidade. Sodano, num trabalho muito sério de crítica, ajuda a perceber por que razão não é assim. Nunca houve obviamente um livro chamado “Evangelho de um Pagão” feito por Porfírio. Trata-se de um conjunto de obras, ou melhor, de fragmentos de obras.

Apenas mostra que o seu pensamento, no que dele nos resta, corresponde a uma alternativa civilizacional que poderia ter tido lugar. Em que a religião teria sido obra de filósofo, como o confucionismo ou o budismo. Embora como se saiba isso não impeça a existência de cleros e teocracias bem mais apertadas como a tibetana ou a do mandarinato.

3 comentários:

João Luís Ferreira disse...

O cristianismo introduz uma alteração significativa à distinção grega (platónica) entre mundo inteligível e mundo sensível. Com a encarnação de Cristo, o mundo sensível deixou de ser apenas uma aparência do mundo das ideias para ser forma inteligível sem que essa inteligibilidade lhe confira, como pretenderam os modernos, autonomia. Por outro lado, é preciso distinguir matéria e corpo, que filosoficamente se opõem, os quais me pareceu terem sido tratados como equivalentes.

Alexandre Brandão da Veiga disse...

João
A coisa é bem mais complexa que isso, mas em síntese, sob o ponto de vista dogmático o cristianimso é também uma religião do corpo, embora sob o ponto de vista pastoral a História tenha sido bem diferente, por razões históricas que não desenvolvo aqui.

Sob o ponto de vista dogmático apenas lembro:
a) a presença real na hóstia
b) a ressurreição dos corpos
c) Deus viu que o mundo era bom na Génese
d) a Incarnação

Deixo este desenvolvimento para outros Carnavais (passo o trocadilho). O que me interessa neste momento é e sempre a pergunta: o que é a Europa?

João Luís Ferreira disse...

Uma religião do corpo no sentido em que a partir do cristianismo o sensível é real. Por isso a im portância da distinção essencial entre corpo e matéria. A encarnação não se dá na matéria mas no corpo. Pode dizer-se corpo glorioso porque o corpo não está autonomizado do espírito. Que o mundo é bom na Génese só corrobora a tese, o que já não será bom será a sua pulverização para além das formas da inteligibilidade e, por isso, é necessário para compreender o autêntico significado do cristianismo a distinção entre a matéria informe e infinita dos modernos e o corpo.