terça-feira, 1 de maio de 2007

A Culpa É da Ocasião, absolvam o Ladrão!

Ontem ouvi o debate em que participava Saldanha Sanches. A propósito dos diversos autarcas, arguidos ou acusados, (Valentim Loureiro, Fátima Felgueiras, etc.), o ilustre jurista, afirmou, sem pestanejar, que o problema não estava na gente. Qual! que não, que não eram más pessoas, o problema, era o excesso de tentação! a solução então, não estava em eleger dirigentes com carácter, pouco dados à corrupção, não, nada disso, que tais exemplares devem ser figuras de romance, mas através de qualquer mecanismo surripiador de poder, diminuir as tentações dos políticos locais, que sendo bons, não são de pau!
Há uns anos, depois de uma longa estadia fora de Portugal, reencontrei o país. Figuras ilustres discutiam a sinistralidade nas estradas. Um advogado conhecido, que em tempos pretendeu ter um canal de televisão, (ai o Alzheimer, como é que ele se chama?), confessava em público, que com regularidade quotidiana, infringia, (largamente), os limites de velocidade. E indignava-se. A razão da sua própria incúria era simples: a falta de polícia! os restantes participantes no debate concordavam, diziam que "Sim" com a cabeça. Alguns recostavam-se para trás com o sorriso de quem, entre parceiros, compreendia o óbvio. Cós diabos, como querem os portugueses que figuras de responsabilidade na vida pública, e em consequência, com vida atarefada, cumpram as leis se... não há polícia!!!
E o elogio da batota? há algum tempo, Marcelo R.S. comentava um jogo de futebol, e dava os parabéns, perante uma audiência de milhões, a determinado jogador por ter conseguido de forma engenhosa "arrancar" um penalti! por "arrancar" um penalti entenda-se ludibriar de forma intencional o árbitro, para de forma abusiva ganhar vantagem sobre o adversário. Estou a vê-lo cumprimentar um aluno, que confessasse ter falsificado uma prova de exame:pelo engenho demonstrado, determinação e subtileza: quinze valores!
Três juristas...imagino advogarem junto de um juiz, um homem acusado de violar uma rapariga: A culpa é da vítima - diz o primeiro - a saia era muito curta...perdoe-se o rapaz - diz o segundo - a polícia não andava por perto... O homem merece castigo - concede o terceiro - mas sejamos benevolentes, o seu maior crime foi.. deixar-se apanhar!

Nuno Lobo Antunes

9 comentários:

Anónimo disse...

Muito, muito anos 60:

LIBERTEM SALDANHA SANCHES !

Unknown disse...

Oportuno e não precisou de roubar nada a ninguém aproveito para culpar o subsídio de desemprego pela falta de emprego, a estupidez dos eleitores pelo descalabro da política portuguesa , a boçalidade dos portugueses pela porcaria da televisão que temos e asubserviência dos lusos pela falta da meritocracia. Já agora culpo-o a sí por me lembrar que é triste que tão belo país tenha produzido tanto ernegumeno.

Jorge Buescu disse...

Caro Nuno: Não que isso seja muito importante, mas a falta de memória (não o Alzheimer, espero!) levou-o a esquecer Proença de Carvalho, certo?

MiguelT disse...

O "fio condutor" que une cada um dos casos que relatou é um só: a irresponsabilidade e/ou desresponsabilização.
O mesmo se poderia dizer das reacções, predominantemente negativas, ao incentivo à denúncia da desonestinadade: ninguém quer ser "bufo", mesmo que por uma boa causa, toda a gente tem medo de ser perseguido e passar a acusado por falta de provas, como se a responsabilidade das provas fosse do denunciador (muitas vezes necessariamente anónimo). Quem se fica a rir com este estado de espírito, que por cobardia e falta de sentido cívico, os continua a proteger, são os corruptos...
Melhor do que esse caso que relatou sobre a infracção das regras de trânsito, só mesmo a história da "caça à multa", expressão sumamente irritante que não tem parelelo em todo o mundo civilizado...

FeminineMystique disse...

sem dúvida que tem que haver responsabilização das pessoas. são certamente responsáveis pelos comportamentos que têm.

no entanto, e tendo vivido na Holanda durante 2 anos, país onde se conduz em muito maior respeito pelas regras de trânsito e circulação, o "enforcement" não é nada esquecido. os semáforos têm câmaras que disparam se alguém passa no vermelho, e a respectiva multa é enviada em 15 dias para casa do dono da viatura. há radares na maior parte das grandes vias de circulação, inclusivé em estradas de menor circulação há radares escondidos em insuspeitos caixotes do lixo.

há de facto "enforcement". há de facto mecanismos de controle e prevenção da corrupção, que a evitam. e claro, também há uma cultura anti-corrupção. poucos consideram aceitável que haja aproveitamento pessoal de cargos políticos, e não me lembro de ter houvido o discurso de "se eu lá estivesse fazia a mesma coisa".

há transparência, e duvido que os deputados holandeses tivessem receio que o seu registo de interesses fosse publicado na internet.

o que eu quero dizer é que sim, senhor, responsabilize-se as pessoas mas que também não se deixem vazios e omissões nas leis e no funcionamento da Administração (central e local) que tornem tudo tão fácil e simplesmente dependente da vontade de cada um.

nem tanto ao mar, nem tanto à terra...

Jorge Buescu disse...

O comentário anterior é muito interessante.

As relações internacionais não são deterministas, claro. Mas se tivesse de isolar a causa mais importante para a 2ª Guerra Mundial, seria a seguinte: o diktat de Versalhes ACOPLADO À FALTA DE MECANISMOS DE ENFORCEMENT.

A culpa não foi Versalhes. Foi Versalhes mais a falta de enforcement. A falta de enforcement provocou que um saltimbanco, que começou em 1934 por violar o tratado com o rearmamento unilateral e viu que afinal nada acontecia, fosse por aí adiante. Com o Sarre, com a Renânia, com os Sudetas, Munique, a Áustria, a Checoslováquia, e finalmente a Polónia.

Confiemos nas pessoas. Mas não sejamos como o Cândido de Voltaire: nem tudo se passa da melhor maneira no melhor dos mundos. A confiança também se merece.

Nuno Lobo Antunes disse...

Mas será que eu escrevi que o "enforcement", não era necessário ou útil?...O que julgo imiplícito no texto é a critica da desresponsabilização, tanto mais grave quanto sustentada por figuras que são "opinion-makers" (de algumaforma). Esta leitura enviesada de textos e afirmações em debates escritos ou orais é comum, e provoca discursos paralelos tipo conversa de surdos.

Jorge Buescu disse...

Uuuppss...

Caro Nuno: lamento o mal-entendido virtual, mas como afirmo na primeira frase o meu comentário não é sobre o seu texto, aliás brilhante e com o qual concordo em absoluto. O que faço
é um metacomentário ao comentário anterior, e não ao seu.

MiguelT disse...

Que melhor exemplo da irresponsabilidade de quem detém o poder do que aquele episódio caricato em que Mário Soares, em pleno exercício da sua presidência, mandava um agente da Polícia "desaparecer"?
Mario Soares, no mínimo, deveria ter sido levado para a esquadra e valentemente multado por desrespeito à autoridade!
Mas não, as pessoas no fundo gostam de actos destes, desde que a prepotência que os caracteriza seja disfarçada com vestes de "rebeldia pseudo-anarquista".
Dá-lhes legitimidade para as suas próprias pequenas bandalheiras...