As fragilidades do laicismo III
Qual é o pano de fundo do
laicismo, então? A de que a Europa não tem uma cultura e História, só a dos museus
e monumentos turísticos. A Europa não foi moldada por milhares de anos de História,
mas História propriamente dita só a tem desde há cerca de duzentos anos. O
resto são mortos sem relevância. É o espaço de memória dos laicistas, e não se
sentem perder grande coisa, é evidente. História apenas a entregue por jornalistas,
epopeia de pacotilha devolvida em prestações mensais de folhetim barato, fácil de
assimilar. O laicismo abespinha-se porque traz uma cultura cristã atrás de si a
que não se pode referir, e, vendo outras culturas, não as consegue integrar no seu
mito. Carece de uma Igreja cristã para se poder opor, a sua actividade natural,
e ficciona que as outras religiões são como cristãs para poder existir.
Etnocêntrico sem o saber, rege que o mundo seja sempre medido pela mesma
bitola: a cristã.
A Europa só é laica se esconder
a sua História ou se a mostrar apenas sob a forma de museu, ou seja de múmia,
património que tem de ser ao mesmo tempo preservado, mas segregado da vida
comum. Nascendo de um mito de separação, o laicista separa tudo, separa a
Europa da sua História. O nome latino que traduz a ideia de separação, como vem
na Lei das Doze Tábuas, é o de «sacer». «Sacer esto», diz a Lei sobre o
homicida. «Que seja separado». A História da Europa torna-se assim sagrada de
forma triste, entre o museificado, como se fosse raiz morta, presença apenas
mumificada, mantendo as suas formas por generosidade de uma cultura nova que
não se importa de a cinzelar, desde que morta.
O laicista não pode
defender a sua própria cultura, porque não existe. A sua cultura oficial vem
apenas em livros de propaganda escolar, um mundo que nasceu há duzentos anos.
Por isso, quando quer defender a cultura católica, que no fundo nunca deixou de
ser a sua, tem de invocar os direitos dos homens, a segurança pública, os
direitos das mulheres. Vai buscar ao seu fundo conceitos que não têm fundo. Entendamo-nos:
o que por vezes quer o laicismo é bem legítimo. São os seus fundamentos que são
espúrios. A sua fragilidade não decorre de alguns dos seus conteúdos (que são cristãos),
mas da mentira dos seus fundamentos. O laicista não diz que é cristão, que é incapaz
de ter uma visão do mundo além do cristianismo, é nele que assenta a sua visão,
mas precisa de acreditar que assenta num morto. Mal percebe que assim repete o
dito canónico: «morreu por nós».
O laicista tem de mentir
em relação à sua origem, em relação à sua História, parasitar a ciência, reprimir
as revoltas, e as Antígonas, dissimular o seu conteúdo e mumificar o seu
passado. «Laos» é o povo em armas na Ilíada. O laicismo, para gerar entusiamo,
tem de ser guerreiro. Não tendo guerras para fazer, ou inventa inimigos, ou pretende
um mundo dormente à sua volta. Mas mesmo aqui repete um dos grandes mitos europeus,
o de Camelot derrotado em que o rei Artur jaz adormecido para um reino futuro.
Torna-se ele mesmo arcaísmo, revelando assim finalmente a sua última natureza.
A de um mundo que saiu do nada e para ele esvanece.
Alexandre Brandão da
Veiga
(mais)