sábado, 4 de janeiro de 2014

Quem é esta Dona Vatanca?

Navegando pela Internet cheguei há muito tempo a este site: http://www.findagrave.com/cgi-bin/fg.cgi?page=gr&GRid=8034779.
 
Nele aparece-me uma tal «Dona Vatanca», dama de honor da rainha Santa Isabel, sepultada na Sé Velha de Coimbra. Nada de extraordinário nisso, caso não se tratasse de uma princesa bizantina.
 
Que faria no século XIV uma princesa bizantina em Portugal? É verdade que a rainha Santa Isabel era aragonesa. O seu avô Jaime, o conquistador, rei de Aragão, era filho de Marie de Montpellier. Que por sua vez era bisneta de João I Comneno imperador de Bizâncio. O seu pai Pedro II, o Grande, era filho de uma princesa húngara, Yolande Arpad, neta de Pierre de Courtenay, imperador latino de Constantinopla. E Aragão manteve muito mais intensas relações com do Mediterrâneo que Portugal algum dia teve.
 
Mas que princesa era esta? Seria realmente princesa? E Vatanca? Não conheço nenhuma família nobre bizantina com este nome. A minha hipótese, meramente especulativa, é que se trataria de uma Vatatzes.
 
O imperador João III Doukas Vatatzes casou-se com Constança de Hohenstaufen, filha ilegítima de Frederico II de Hohenstaufen e da sua amante Bianca Lancia, mas este casamento não gerou filhos. De qualquer forma, Frederico II de Hohenstaufen quem era? Nada mais nada menos que o avô da Mãe da rainha Santa Isabel. Ou seja, uma tia-avó sua tinha-se casado com um Vatatzes.
 
Pode haver aqui uma objecção linguística. Como Vatatzes pode dar uma Vatanca? Em grego «C» aparece frequentemente como sinal de sigma maiúsculo. Além do mais, é comum no Leste da Europa, sobretudo entre as línguas eslavas o «c» representar o som «ts». De onde Vatanca não deveria ser lido Vatanka, mas Vatantsa.
 
Que uma bizantina esteja sepultada em templo católico também não espantaria. Desde o império latino de Constantinopla vários elementos da nobreza se aproximaram da cultura ocidental, havendo mesmo um movimento diríamos hoje em dia pró-ocidental, o dos latinofrones, cultora da cultura latina, e admiradores da escolástica. E depois, mesmo que assim não fosse, não iria ser recusada sepultura a uma ortodoxa oriental, suponho eu.

Este parece um excurso de curiosidades. Talvez. Mas não me deixa de impressionar que uma princesa bizantina se encontre enterrada em Portugal sem que ninguém lhe dê pela falta.
 
Temos também a honra duvidosa de ter em Lisboa a sepultura de Fielding, o autor de «Tom Jones». Duvidosa não pelo senhor, mas pelo preço que damos à sua memória. Segundo um cronista português, o rei Ladislau Jagellon ter-se-ia refugiado em Portugal depois da sua derrota pelos turcos em 1444. A avaliar pela experiência dos reis Carlos Alberto no século XIX e Humberto no XX, ou do imperador Karl e a imperatriz Zita, Portugal parece um refúgio digno de reis e príncipes. Mas pergunto-me se não será por eles saberem que aqui serão esquecidos.
 
Não sei quem seja esta Vatanca, nem posso asseverar que seja uma Vatatzes. De uma coisa tenho a certeza. Da pouca curiosidade portuguesa em perceber das ramificações da sua História. Os cultores da glória pátria preferem um assento estreitinho a vistas largas. E nós vamo-nos esquecendo de fazer perguntas.
 
Alexandre Brandão da Veiga

5 comentários:

lidiasantos almeida sousa disse...

O que uma vagabunda de Blogues aprende, levando.me mais uma vez a dizer "Eu só sei que nada sei" Obrigada

Inez Dentinho disse...

Gostei desta viagem pelas raizes esquecidas da nossa universalidade. Mais recentemente, o túmulo do Rei Carol da Roménia, tantos anos admitido no panteão dos Braganças, em S. Vicente de Fora, foi devolvido à sua terra. E neste movimento encerra capítulos da História tão importantes como a II Guerra Mundial, o Bloco de Leste, a republicanização soviética nos satélites do futuro Pacto de Varsóvia e a Queda do Muro. Tudo isto com o picante da Mde Lupesco pelo meio. Sigamos as cinzas e explicamos o Mundo.

Inez Dentinho disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
lidiasantos almeida sousa disse...

Obrigada Inez Dentinho, Mais um conhecimento para a minha cultura geral

José Lúcio disse...

Não existe assim tanto desconhecimento sobre D. Vataça Lascaris....
Quem passe por Sines, Santiago do Cacém, Castro Verde ou Panóias até encontra bastante informação, alguma verdadeira e outra mais fantasiosa.
Veja-se a wikipedia:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Vata%C3%A7a_Lascaris