O que é o terrorismo?
O terrorismo é uma técnica de guerra. Um país com terrorismo é sempre um país em guerra, por mais fraca intensidade que esta tenha. O que visa o terrorismo? Uns dizem que é impor uma ideia, destronar um sistema, outros apenas vencer frustrações pessoais. No entanto, estas são sempre visões parcelares da realidade. O que o terrorismo visa sempre e em todos os casos é a destruição da vida comum, o fim de certezas implícitas.
Todos nós usamos transportes, comemos em restaurantes, circulamos no espaço público. Circular no espaço público é viver na natureza do homem urbanizado. O terrorista põe em causa a certeza dessa natureza, a sua estabilidade. Lembra que a ida é arriscada, sempre arriscada, mesmo que não seja por nossa iniciativa.
Se depois há frustrações pessoais, civilizacionais, sociais que motivam os terroristas, essa é outra questão.
O terrorista é sempre um nómada, pelo menos ocasional. A civilização é sedentária, carece de imobilidades. O terrorista move-se. Por isso, embora não seja sempre verdade, tendencialmente o terrorista é mais pobre que o aterrorizado. Tem menos a perder, move-se com maior facilidade. O terrorismo põe em causa a própria natureza sedentária do homem civilizado.
O paradigma do terrorista é o huno Átila. Também ele transformou o sedentário em refugiado, o homem da vida estável da urbe romana num timorato, num descrente no mundo que o rodeava.
O que visa o terrorista é a descrença. As nossas verdades absolutas, tanto mais quanto nos julgamos imunes a dogmatismos, são abaladas com o terrorismo. Porque o nosso relativismo é luxo de bem instalados, que acreditam que o que os rodeia é inabalável, seguro, mera dádiva, que nem esforço exigiu, nem tem fragilidades. Quem mais contesta a civilização é em geral quem mais acredita que nada a pode abalar. Viaja de avião para a contestar, usa computadores para a pôr em casa, mas esquece que nem aviões nem computadores seriam possíveis sem essas estruturas que ele não contribuiu em nada para realizar e de que é mero herdeiro pródigo.
Discutem-se muito as motivações dos terroristas mas estas em geral são meros pretextos. Porque o que sustenta o terrorismo são dois factores bem longínquos da motivação: a finalidade e a inércia. A finalidade, a destruição do estável, do sedentário, do comum. A inércia porque mesmo terminada a motivação ele continua. O terrorismo gera uma cultura, alimenta-se a si mesmo como modo de vida.
É essa a diferença entre o terrorista e o resistente, embora ambos possam ser chamados de terrorista em sentido próprio. O resistente francês larga a resistência depois de o fim ter sido atingido. Foi terrorista. Mas não é tanto a causa ser boa ou má que o faz resistente, embora só o ponto de vista de valoração moral possamos discutir isto. É o facto de estar pronto a renunciar, de ser a sua última vontade perder as razões de lutar.
O terrorista cultural, ao contrário do terrorista resistente, é o que não está disposto a renunciar. Pode-se contra-argumentar dizendo: mas se o resistente francês terminou a sua tarefa é porque atingiu o seu objectivo. Quem nos diz que a ETA ou terrorista islâmico se atingirem o seu objectivo não parariam? A distinção parece arbitrária.
Não é verdade. É que tem de ser visto à luz de cada cultura o que é um terrorista e um resistente. Para muitos meios árabes e turcos o terrorista é o resistente, mesmo que a sua finalidade seja a aplicação de um único princípio, o do fundamentalismo islâmico, porque tem um paradigma que cola à tradição das suas civilizações. Um modelo totalitário, mesmo que mais ou menos tolerante consoante as épocas. Na Europa, em que nunca venceu um só princípio, mas sempre foi feita de diálogo entre princípios opostos (região-Estado-império, império – papado, separação entre Estados e igreja e natureza confessional dos Estados, igualdade dos homens e desigualdades sociais, etc.), a diferença entre terrorista e resistente encontra-se na adesão a um só princípio (terrorista), ou na aceitação de uma vida de compromissos (resistente). Na Turquia e nos países árabes os critérios têm de se encontrar nos seus paradigmas de civilização.
Destrinçar o terrorista do não terrorista depende assim de civilização para civilização. Como o terrorista é o que quer destruir ou pelo menos pôr em causa as certezas de uma civilização, terrorista na Europa é sempre o que não admite uma vida de compromissos de valores contrários e está disposto a pôr em causa a vida comum por isso. O terrorista só desistiria se acabasse essa vida de compromissos. Mas a sua desistência seria apenas a supressão da civilização europeia. O resistente renuncia quando verifica a manutenção desta civilização.
Alguém que queira impor a sharia como único princípio da vida comum pode ser terrorista para sociedades que se querem mais europeias do que são na origem. Mas em si mesmo não é um terrorista para essas civilizações. É um resistente e vê-se como um restaurador de uma civilização. E nesse aspecto tem razão. Só choca as civilizações onde actua na medida em que elas recusem essa unicidade de princípio, em que elas queiram participar de outro princípio de civilização. Mas na medida em que elas queiram ser o que eram tradicionalmente é um resistente, cruel sem dúvida, contestado quanto aos meios utilizados, igualmente, mas não um verdadeiro terrorista. Há outras formas de se ser cruel.
Na Europa vimos que os terrorismos visavam todos a destruição. Do capitalismo. Sem mais. Da unidade espanhola, sem concessões. Da presença católica na Irlanda, nada mais, de um território partilhado por católicos e protestantes, só isso.
O terrorista é o que quer destruir ou abalar a certeza na vida comum do homem sedentário civilizado. Assume a forma de resistente se querer repor o princípio da sua civilização, ou de terrorista puro se o querer destruir. Forma de luta em geral dos mais pobres e fracos, embora nem sempre (Átila não era frágil), gera uma cultura que se alimenta a si mesma. Um país com terrorismo é sempre um país em guerra. E Europa está em guerra neste momento.
Como lutar então contra o terrorismo na civilização europeia? Repondo o princípio da mesma por forma a que não sejam necessários resistentes, não se justifique a sua aparição. Afirmando este princípio com convicção e meios contra os que contra nós são terroristas. Como? Não admitindo ataques sistemáticos à nossa identidade. Uma identidade defende-se, cultiva-se e ama-se. Com energia se necessário.
Alexandre Brandão da Veiga
Alexandre Brandão da Veiga
1 comentários:
Os americanos encaram os terroristas de frente: olhos nos óleos. ( do livro desaforismos de Georges Najjar Jr )
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