terça-feira, 28 de setembro de 2010

Bento XVI um papa mal amado? V

C. Que tem de positivo este papa?

1. Diálogo com os ortodoxos. União das igrejas

Alguns comentadores políticos disseram que o papa foi à Turquia porque era favorável à adesão da Turquia. A verdade é que quem lê os seus discursos nunca viu essa declaração e vê exactamente o contrário. Se o Papa foi à Turquia é em grande medida porque essa é uma das portas de entrada na Rússia, a maior comunidade ortodoxa do mundo (1).
Uma das preocupações maiores deste papa é a da união entre os cristãos, não confundindo diálogo de religiões com ecumenismo, que são realidades profundamente diversas (2).
Nesta matéria João Paulo II tinha um problema: era polaco. Por isso a sua relação com os russos estaria sempre envenenada, independentemente da sua boa vontade. O que este papa está a fazer nas fronteiras orientais do catolicismo, na Polónia, na Ucrânia, com os uniatas, directamente com os russos, é fundamental para a paz na Europa.

Estamos pouco atentos a isso, mas este papa se tiver anos de vida para isso é o que mais hipóteses tem de visitar a Rússia.


2. Europa

Quando o papa assumiu o nome de Bento percebeu-se logo a mensagem dupla: Bento XV e São Bento o patrono da Europa, como Cirilo e Metódio.

Bento XV foi o papa da I Guerra Mundial. E enquanto os laicos franceses e portugueses, os anglicanos ingleses os luteranos e calvinistas alemães e os católicos italianos (3) e austríacos destilavam discursos de ódio, foi dos raros, juntamente com o imperador Carlos de Habsburgo, a afastar-se do discurso de ódio. Apenas via a Europa que se dilacerava.

São Bento é o grande organizador, o criador de Monte Cassino, o homem que percebe que não morreu apenas um mundo, mas nasceu um novo que continua o anterior. E o homem que percebe que a Europa se constrói pela cultura, pela memória e pela disciplina.

São estes os paradigmas deste papa: o fim das divisões da Europa e a importância da memória nisso. A grande mensagem deste papa dirige-se para a Europa e a ligação com os ortodoxos é um seu forte sinal.

Mas que interessa a Europa para o catolicismo? A maioria dos católicos está fora da Europa e este papa sabe-o. E dá importância ao cristianismo nas Américas, na África, mas igualmente na Ásia, onde está a crescer, nomeadamente na China.

É que para o mal e para o bem é na Europa que está o centro intelectual do cristianismo e do catolicismo. Os americanos adquiram à Europa tecnologia, mas estão a anos-luz da Europa na teologia e na filosofia.

O islão precisa de juristas. O judaísmo de rabis. O cristianismo morre sem filósofos e teólogos. Ou passa a ser mera rotina e ritual. A Europa pode já não ser o membro mais forte do cristianismo, mas é ainda a sua cabeça e pode ser por isso o seu coração. E este papa trabalha para isso (4).
Este papa é talvez um dos últimos papas europeus nos próximos tempos e o que nos dá uma oportunidade disso. Se não a aproveitarmos pagaremos o preço disso. Também religiosamente a Europa se secundarizaria.


1 A eclesiologia ortodoxa apresenta obviamente contradições entre a teoria e a prática como todas as eclesiologias. É humano. Os conflitos de jurisdição entre os patriarcados são conhecidos. Não há pois que tornar angélicas as relações entre o patriarcado de Moscovo e o patriarcado ecuménico. No entanto, a primazia de honra de Constantinopla não é discutida por nenhum ortodoxo oriental.
2 Quando foi entronizado Bento XVI usou um pálio com cruzes vermelhas e não pretas. Como se fazia no tempo em que as igrejas estavam unidas.
3 Não tão católicos, se pensarmos no governo laico da altura.
4 A História de alguns dos cristianismos orientais minoritários, em que o patriarcado se tornou hereditário e se deu uma ruralização da vida intelectual cristã, mostra os riscos de um cristianismo sem pensamento.

1 comentários:

Ricardo disse...

parabéns pela precisão e lucidez na sua colocação.