sexta-feira, 9 de julho de 2010

A liberdade vai passar por aqui


«Havana vai libertar 52 presos políticos» anunciou esta semana a TSF. Raul Castro cede assim, finalmente, aos pedidos da Igreja Católica na «mais formosa das ilhas», como lhe chamou Colombo.
Poucas notícias internacionais me deixaríam mais satisfeita. Conheci a situação da oposição cubana a Fidel Castro no início dos anos 90. Tinha recolhido no escritório de Madrid do exilado Carlos Alberto Montaner a lista destes políticos para entrar em Cuba como turista acidental. Levava uma mala cheia de literatura anti-Castro que Montaner me pedira para entregar a Elizardo Sanches.
Para além do emblemático Elizardo que, sob a defesa dos Direitos Humanos, se mantinha fora do cárcere na ilha, falei com uma série de gente valente que tentava o impossível para manter acesas a chama da liberdade interior e a esperança da liberdade pública.
Foram três semanas surrealistas. Evito os nomes porque desconheço a situação actual destes cubanos. Lembro a poetisa com grades nas janelas e nas portas para evitar a delinquência política diária dos jovens da revolução. Não esqueço o homem de meia-idade que, nos subúrbios de Havana, me passou apressadamente um molhe de papéis manuscritos com os seus pensamentos e denúncias. Já era perto das dez da noite e atravessávamos uma pequena mata entre a sua casa e a paragem do autocarro que me traria à cidade. Tirou então os papéis de dentro da camisa e falou muito depressa. Ali sabia que não tinha microfones.
Recordo ainda o tristíssimo encontro com um velho opositor de Castro, num terceiro ou quarto andar, com escada suja e vigiada. A casa parecia uma cela. Com guarda, colchão no chão e pouco mais. Mas a verdadeira prisão estava dentro deste homem de barbas brancas. Ao fim de alguns anos, não resistiu ao cárcere, denunciou os amigos e pôde sair. Vivia assim atormentado pela traição, pela fúria das familias dos presos seguintes e pela amargura de um sacrifício em vão. Estava preso na ilha. E não pertencia a ninguém. Para não ser tão trágica, também me lembro de um actor de aparente sucesso que estava revoltado com Fidel alegadamente porque este lhe prometera uma bicicleta mas, por causa uma pequena liberdade de verbo, perdera o direito de a receber... Vá-se lá saber se é verdade. Este não estava na lista de Montaner.
Muitos já estão no exílio. Outros na prisão. Podem ter sido denunciados em troca de uma lata de carne, de um par de calças de ganga ou da manutenção de um posto de trabalho.
O único espaço de liberdade ficava dentro das igrejas onde Fidel Castro, reconhecido pelo papel de assistência social dos católicos num país órfão dos dinheiros soviéticos, permitia maiores liberdades de culto. Ali se trocavam documentos. Ali se procurava a ponte com o exterior. De ali partiram vozes que chegaram ao Vaticano. E que chegaram da Santa Sé, em discurso directo, na histórica viagem de João Paulo II em Janeiro de 1998 quando o Papa exortou: «Que o Mundo se abra a Cuba e que Cuba se abra ao Mundo!». Não conseguiu o fim do embargo, ponto de honra de americanos e de alguns cubanos radicais de Miami. Penso que a única vitória imediata foi mesmo a de transformar o dia de Natal, finalmente, em dia feriado. Ou talvez não. A mesma semente de liberdade dá hoje frutos em Havana com a libertação de 52 presos, como dará amanhã na Venezuela de Chavez.

5 comentários:

miguel vaz serra....... disse...

Só se Sócrates lhe pedir...Chavez não chega nem aos calcanhares de Castro.
Um é um oportunista, mentiroso e usurpador, como o de cá, e o outro é um libertador, ultrapassado pela idade e história dos tempos...........mas que respeitava os princípios duma religião amiga do seu povo que salvou ,ele mesmo, da fome e exagero político duma época…
Fraga, ministro de Franco, Galego também ele como Castro, Presidente durante anos sem fim do PP espanhol e depois Presidente da Galiza durante décadas, foi também recebido por Castro em Cuba como um amigo do povo cubano.
Um errou por falta de evolução, outro erra por "naturaleza"....

miguel vaz serra....... disse...

...e sem Princesas de barrigas de aluguer, nem Treinadores pentiadinhos, com inteligência, muito trabalho sério e respeito pelo seu País, cheio de nações distintas, povos e culturas antropológicas, Espanha, uma vez mais, ensina-nos como ser "grandes" de verdade.
Sem pretensões nem complexos de inferioridade, comuns na alma Lusitana, que não nos leva a nada, somente á ruína económica e enriquecimento de 3 ou 4 gandulos...dá uma lição de saber estar ao mundo da bola.
Parabéns Espanha!!!!O Mundial de "Football" foi ganho com todo o merecimento!!!

Táxi Pluvioso disse...

O que me choca em Cuba é não haver um McDonald's.

Inez Dentinho disse...

Em Cuba visitei uma casa minúscula com um altar enorme na sala da entrada. O altar parecia um bolo de noiva, coberto de branco, em pirâmide de degraus e com uma boneca vestida de branco no topo. As pessoas que ali entravam também vestiam de branco e oferecias os melhores presentes à Santa. No meio de joias e cristais lá estava uma lata de coca-cola! Não vi se estava cheia ou vazia. Mas era um objecto raro, precioso na ilha. É um princípio.

Táxi Pluvioso disse...

Ó, diabo, aquele povo está pior do que eu imaginava. (Bom, quando a liberdade chegar e acabarem com estudos e assistência médica de borla, talvez aquilo melhore).