quarta-feira, 5 de maio de 2010

O desprestígio dos criadores IV

Resta-nos o terceiro factor. A banalização da superioridade, ou mesmo a sua negação. O lugar comum diz que não há música clássica e a outra, mas que há música boa e música má em todas a áreas, o que não deixa de ser verdade. Mas esquece-se que a música mais profunda, mais arrojada e mais rica é a dita erudita. Aliás a aflição e a insistência com que se repete este chavão mais denota que se quer produzir um efeito que reconhecer uma realidade. Com a literatura passa-se o mesmo. Um selvagem da Nova Papua tem foros de genialidade e por isso a complexidade de Dante ou Horácio são comprimidas para caberem no mesmo cesto. Que o poeta popular mais ou menos sincero e sofrido apenas conheça o heptassílabo rimado em quadra deve ser ignorado perante a riqueza formal e de ideias de Camões.

O próprio criador quando defende estas teses se anuncia como substituível, intermutável, e a complexidade de que se ocupa torna-se mero atavio, sem real importância. Para que todos acedam à criação foi preciso que a criação se tornasse acto trivial. Já resta pouco do impulso de admiração que se revela por duas frases simples: “eu não era capaz de fazer isto”, ou então, “como não me lembrei eu disto?” (reservada esta ultima, fora de presunção, para outros criadores).

A postura geral, justa ou não, não interessa para estes efeitos, é a sua dupla inversa: “eu também era capaz de fazer isto”, ou então, “não faria isto, mas faria algo de pelo menos tão grande valor”.

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