segunda-feira, 8 de março de 2010

O que é a Europa? V

O universalismo destes quatro critérios parece-me cada vez mais assente. Porque não o vou buscar as declarações políticas. Mas a todos os campos da cultura da Europa, e a todos os campos em que a confronto com as outras. Como tenho vindo a demonstrar, desde a matemática, à física, a ciência em geral, teologia, filosofia, História, às vivências do dia a dia, a categorias que usamos, os sentimentos que nos atravessam estão permeados destas inércias.

Elas não nos limitam: definem-nos. Todos os seres humanos no mundo vivem felizes com a sua definição. Os europeus parecem querer apagar-se do mapa, por não quererem ser distintos. A indistinção dissolve, e todo o discurso que recuse diferença específica à Europa, é apenas destruidor. Bastou-me um Átila e um Tamerlão. De turco-mongóis já tivemos experiências que cheguem: adoráveis, para quem gosta, gloriosas, no modo de empilhamento de caveiras, mas sem dar uma ponta de viço à alma europeia.

Que o discurso político actual se confronte com a destruição e o parasitismo, diz mais sobre quem o profere que sobre a justiça do que afirma. Ficam com o seu autor os motivos suicidários. Aprovo-lhes a motivação, apenas lamento não terem coerência para consumarem o facto.

Não termina aqui o problema. Temos de avançar para mais uma das suas dimensões: o debate entre a inércia e a vontade. Bacon dizia que para dominar a natureza temos de obedecer às suas leis. Frase muito simples, mas que constituiu a base mais fundamental de toda a ligação entre a ciência e a tecnologia na cultura europeia. Negá-la é cair no fetichismo.

Ora bem, que nos dizem os sapientes da hora? A Europa é uma construção anti-histórica (ou seja, sem inércia, ou seja, sem lei da natureza). O que seja a Europa depende apenas da nossa vontade (ou seja, mais uma vez pertence a uma natureza sem leis).

O discurso político apoia-se assim em puro fetichismo. Contrário à ciência, invoca em vão o seu nome.

O plano da vontade implica por isso mais duas questões: o da possibilidade e dos custos. O primeiro é o do efectivo poder da vontade para mudar as coisas. O segundo o do que se perde com essa mudança.

O que significa uma inércia histórica? Que nada pode ser mudado? De todo. Muito pode ser mudado, mas desde que se percebam e se apoie na inércia histórica. Que esta seja usada exactamente para ajudar o impulso e não o contradizer continuamente.

A Rússia soviética aproxima-se cada vez mais da política tzarista. É natural: inércia histórica. A revolução francesa deixa incólumes estruturas antigas e até reforça algumas estruturas desigualarias: inércia histórica. Os países do Médio Oriente tiveram desde há décadas de optar entre laicidade e democracia, da Turquia ao Egipto, nunca os podendo conciliar: inércia histórica.

Estamos obviamente a falar de inércias históricas de diferentes fôlegos. De fôlego muito menor do que é constitutivo da Europa. E por isso muito menos poderosas. Quanto mais será o poder do quádruplo pilar da Europa.

Podemos mudar? Sim, mas com custos. Podemos querer transformar países asiáticos em europeus. Mas com um esforço imenso e com o permanente risco da elasticidade os fazer retornar com ainda mais força ao seu asiatismo.

Podemos mudar de sexo, fazer operações às pernas para ficarem maiores. Os sofrimentos compensam os benefícios? Talvez. Existe a certeza de não haver sequelas? Nunca. E quando falamos de massas elásticas, induzidas pela inércia, corremos o risco sempre e mais uma vez de o retorno à situação original ser ainda mais violento. De querer transformar em Europa o que não é acabamos por criar uma Ásia ainda mais se torna Ásia.

Nas discussões científicas usa-se com frequência um termo que muitos julgam jurídico, mas vem da dialéctica: o de ónus da prova. Este é invertido quando alguém propõe um modelo. Está invertido. Mas para o rebater que não se indiquem jornais, nem documentos burocráticos, nem boas intenções. Ter consistência é um atrevimento na nossa época. Que alguém de atreva, pois.




Alexandre Brandão da Veiga

1 comentários:

Táxi Pluvioso disse...

Se não fosse Átila não teríamos o poder de Roma (Vaticano).

Os europeus são os embasbacados pelos americanos, felizmente não sabem melhor.