SERMÕES AOS CANDIDATOS A ESCRITORES
Se tiveres a tentação de escrever não o faças. O mais provável é que saia asneira.
Os desabafos pessoais são feitos a pessoas que gostam de nós. Fazê-lo com o público é puro exibicionismo.
Não existe o desafio da folha em branco. O que pode estar em branco são as ideias. Mas esse não é um desafio, é um defeito.
Quem quer fazer uma literatura acéfala cai sempre na autobiografia.
As pessoas que estão sempre em perpétua renovação, além de levarem uma vida muito cansativa, dão a entender que tudo o que fizeram antes não presta. Para quem tem sentido de indução facilmente percebe que isto significa que a última obra terá o destino das futuras na qualificação do seu autor.
Quem não sabe distinguir uma obra média de uma obra-prima tem de começar por ler antes de tentar escrever.
Quem escrevendo pretende mostrar que tem uma vida sexual muito activa demonstra escrevendo que ela não é suficientemente tentadora para o fazer deixar de escrever.
Quem quiser escrever destituído de sentimentos deveria rapidamente verificar que essa não é a única qualidade literária que lhe falta. Quem quer escrever com o sentimento esquece-se de que a tinta deixa uma marca mais perene no papel.
Quem considera que a cultura é um defeito num escritor está a falar na sua própria deficiência.
Aqueles que querem meter a todo o custo e a todo o momento imagens naquilo que escrevem, visando com isso dar um maior peso expressivo ao seu discurso, talvez devessem ponderar a hipótese de fazer banda desenhada.
Quem afirma só gostar de um estilo simples refere-se geralmente à sua incapacidade de lidar com o complexo.
Quem idolatra o grosseiro e o considera um passo indispensável na criação literária julga que o modo como se comporta em casa se pode arvorar em lei universal.
Mostra-se obcecado com a fealdade quem pretende esconder sob a capa de uma escolha o que mais não é que falta de alternativa.
Quem fazendo literatura pretende mudar o mundo deveria dar o primeiro passo nesse sentido mudando de profissão.
Não há problema nenhum em escrevermos para ridicularizarmos algumas pessoas, que frequentemente o merecem. Mas atenta no perigo de seres ridículo fazendo-o.
Escrever uma saga de família é possível mesmo que no fim da linha não se encontre criadagem ou escravos.
Um bom escritor tem pelo menos um dos requisitos para ser bom jornalista: sabe escrever. A um bom jornalista pode faltar tudo o resto.
Quem se banha na intranscendência não pode querer lavar a vida alheia. Falta-lhe a prática da água e do sabão.
Quem escreve obedecendo a um programa pode fazer coisas de qualidade. Mas se o faz não é o programa que o dita.
Não tem sentido esconder a falta de ideias com uma pontuação deficiente.
Os que afirmam que escrevem sobre o seu bairro, mas que em bom rigor se referem à universalidade não são generosos nem criativos. Com efeito, se escrevem apenas sobre o seu bairro é de desconfiar que não conheçam mais nada.
Aos escritores que se queixam permanentemente da incompreensão dos outros falta-lhes razão para se queixarem. Ou estão acima da chusma e isso é motivo de regozijo, ou estão no mesmo nível e não tinham razões para se meterem em trabalhos.
Quem usa a literatura como forma de sedução fracos dotes pessoais deve ter.
Quem quer fazer literatura regionalista perdeu uma vocação para fazer bons guias turísticos.
Só tem razão para se queixar do público quem nunca quis publicar.
Alguns escritores falam com recorrência dos livros que têm na gaveta por publicar como os melhores. Uma prenda anunciada tem de ser entregue. É de péssima educação omiti-lo.
Se estás obcecado com a alternativa de escrever algo de belo ou de útil pensa que não tem muita utilidade o que escreves se não for belo. Se a tua obsessão é imprimir fealdade ao que escreves descansa por que o mais natural é que o faças espontaneamente.
Se é tua única intenção transmitir ideias erraste na vocação e o mais provável é que erras executando-a. Se não quiseres transmitir ideias a tua insuficiência substituir-se-á tua vontade no sucesso da tua empresa.
Quem diz que a literatura é a coisa mais importante do mundo deveria fazer a experiência de deixar de comer.
Os que afirmam que a função da literatura é mostrar a experiência vital perdem em geral tempo a mostrar algo que não adquiriram.
Querer ir direito aos assuntos significa com frequência bater com a cara numa parede. Nada há de mais oblíquo que a simplicidade.
Leio por vezes textos enfeitados de vírgulas, parágrafos arrevesados, frases cortadas a meio. Percebo que respeites e dês visibilidade ao trabalho do tipógrafo. Mas não é a ele que compete fazer literatura.
Alguns dos que escrevem deliram inventando palavras novas a todo o momento. Já me elogiaram mais de um dizendo que inventa palavras novas. Só respondi: - Será que não são capazes de fazer nada de jeito com as que já existem?
Antigamente falava-se do estilo de um escritor, a gora fala-se de escrita. É justo: perderam o conceito e falta-lhes o estilo.
A escrita é acto de meros alfabetizados. Na melhor das hipóteses, de contabilistas. Noutras ainda de calígrafos. Para um escritor é apenas uma inevitabilidade prática. Tem de escrever, no sentido em que não se é escritor se não se gravar de alguma forma palavras num suporte. Falar da escrita de um escritor é o mesmo que usar a palavra cutelo quando se fala de um cirurgião. Continua-me a parecer mais difícil salvar vidas que cortar carne num talho.
Antes de saber escrever, a primeira coisa que um escritor deve saber fazer em cima de uma mesa é comer. Quem não sabe comer à mesa devia aprendê-lo antes de ter a pretensão de escrever.
A grosseria não é um requisito literário, mas apenas um defeito pessoal.
Queres ser escritor? Lembra-te que a coisa não depende da tua vontade. Uma pretensão legítima chama-se ambição, quando ilegítima presunção.
A vocação é exactamente o oposto da vontade. A segunda passa-te rapidamente se fores saudável. Se não passar é mais competente para o teu trabalho um padre ou um psicólogo.
Se queres escrever coisas que fiquem depois da tua morte é mais provável que o consigas elaborando o teu epitáfio.
É dever dos candidatos a escritores o de falarem muito. É menos tempo que dedicam a colocar no papel para todo o sempre os seus disparates.
O realismo na literatura é tarefa de poetas.
Alexandre Brandão da Veiga
Os desabafos pessoais são feitos a pessoas que gostam de nós. Fazê-lo com o público é puro exibicionismo.
Não existe o desafio da folha em branco. O que pode estar em branco são as ideias. Mas esse não é um desafio, é um defeito.
Quem quer fazer uma literatura acéfala cai sempre na autobiografia.
As pessoas que estão sempre em perpétua renovação, além de levarem uma vida muito cansativa, dão a entender que tudo o que fizeram antes não presta. Para quem tem sentido de indução facilmente percebe que isto significa que a última obra terá o destino das futuras na qualificação do seu autor.
Quem não sabe distinguir uma obra média de uma obra-prima tem de começar por ler antes de tentar escrever.
Quem escrevendo pretende mostrar que tem uma vida sexual muito activa demonstra escrevendo que ela não é suficientemente tentadora para o fazer deixar de escrever.
Quem quiser escrever destituído de sentimentos deveria rapidamente verificar que essa não é a única qualidade literária que lhe falta. Quem quer escrever com o sentimento esquece-se de que a tinta deixa uma marca mais perene no papel.
Quem considera que a cultura é um defeito num escritor está a falar na sua própria deficiência.
Aqueles que querem meter a todo o custo e a todo o momento imagens naquilo que escrevem, visando com isso dar um maior peso expressivo ao seu discurso, talvez devessem ponderar a hipótese de fazer banda desenhada.
Quem afirma só gostar de um estilo simples refere-se geralmente à sua incapacidade de lidar com o complexo.
Quem idolatra o grosseiro e o considera um passo indispensável na criação literária julga que o modo como se comporta em casa se pode arvorar em lei universal.
Mostra-se obcecado com a fealdade quem pretende esconder sob a capa de uma escolha o que mais não é que falta de alternativa.
Quem fazendo literatura pretende mudar o mundo deveria dar o primeiro passo nesse sentido mudando de profissão.
Não há problema nenhum em escrevermos para ridicularizarmos algumas pessoas, que frequentemente o merecem. Mas atenta no perigo de seres ridículo fazendo-o.
Escrever uma saga de família é possível mesmo que no fim da linha não se encontre criadagem ou escravos.
Um bom escritor tem pelo menos um dos requisitos para ser bom jornalista: sabe escrever. A um bom jornalista pode faltar tudo o resto.
Quem se banha na intranscendência não pode querer lavar a vida alheia. Falta-lhe a prática da água e do sabão.
Quem escreve obedecendo a um programa pode fazer coisas de qualidade. Mas se o faz não é o programa que o dita.
Não tem sentido esconder a falta de ideias com uma pontuação deficiente.
Os que afirmam que escrevem sobre o seu bairro, mas que em bom rigor se referem à universalidade não são generosos nem criativos. Com efeito, se escrevem apenas sobre o seu bairro é de desconfiar que não conheçam mais nada.
Aos escritores que se queixam permanentemente da incompreensão dos outros falta-lhes razão para se queixarem. Ou estão acima da chusma e isso é motivo de regozijo, ou estão no mesmo nível e não tinham razões para se meterem em trabalhos.
Quem usa a literatura como forma de sedução fracos dotes pessoais deve ter.
Quem quer fazer literatura regionalista perdeu uma vocação para fazer bons guias turísticos.
Só tem razão para se queixar do público quem nunca quis publicar.
Alguns escritores falam com recorrência dos livros que têm na gaveta por publicar como os melhores. Uma prenda anunciada tem de ser entregue. É de péssima educação omiti-lo.
Se estás obcecado com a alternativa de escrever algo de belo ou de útil pensa que não tem muita utilidade o que escreves se não for belo. Se a tua obsessão é imprimir fealdade ao que escreves descansa por que o mais natural é que o faças espontaneamente.
Se é tua única intenção transmitir ideias erraste na vocação e o mais provável é que erras executando-a. Se não quiseres transmitir ideias a tua insuficiência substituir-se-á tua vontade no sucesso da tua empresa.
Quem diz que a literatura é a coisa mais importante do mundo deveria fazer a experiência de deixar de comer.
Os que afirmam que a função da literatura é mostrar a experiência vital perdem em geral tempo a mostrar algo que não adquiriram.
Querer ir direito aos assuntos significa com frequência bater com a cara numa parede. Nada há de mais oblíquo que a simplicidade.
Leio por vezes textos enfeitados de vírgulas, parágrafos arrevesados, frases cortadas a meio. Percebo que respeites e dês visibilidade ao trabalho do tipógrafo. Mas não é a ele que compete fazer literatura.
Alguns dos que escrevem deliram inventando palavras novas a todo o momento. Já me elogiaram mais de um dizendo que inventa palavras novas. Só respondi: - Será que não são capazes de fazer nada de jeito com as que já existem?
Antigamente falava-se do estilo de um escritor, a gora fala-se de escrita. É justo: perderam o conceito e falta-lhes o estilo.
A escrita é acto de meros alfabetizados. Na melhor das hipóteses, de contabilistas. Noutras ainda de calígrafos. Para um escritor é apenas uma inevitabilidade prática. Tem de escrever, no sentido em que não se é escritor se não se gravar de alguma forma palavras num suporte. Falar da escrita de um escritor é o mesmo que usar a palavra cutelo quando se fala de um cirurgião. Continua-me a parecer mais difícil salvar vidas que cortar carne num talho.
Antes de saber escrever, a primeira coisa que um escritor deve saber fazer em cima de uma mesa é comer. Quem não sabe comer à mesa devia aprendê-lo antes de ter a pretensão de escrever.
A grosseria não é um requisito literário, mas apenas um defeito pessoal.
Queres ser escritor? Lembra-te que a coisa não depende da tua vontade. Uma pretensão legítima chama-se ambição, quando ilegítima presunção.
A vocação é exactamente o oposto da vontade. A segunda passa-te rapidamente se fores saudável. Se não passar é mais competente para o teu trabalho um padre ou um psicólogo.
Se queres escrever coisas que fiquem depois da tua morte é mais provável que o consigas elaborando o teu epitáfio.
É dever dos candidatos a escritores o de falarem muito. É menos tempo que dedicam a colocar no papel para todo o sempre os seus disparates.
O realismo na literatura é tarefa de poetas.
Alexandre Brandão da Veiga
4 comentários:
Que bom seria fazer um broadcast para todos os bloguistas.
Acho que iriam achar este texto como um ataque pessoal. De caracter.
Eu resisti ao comentário,para não corer o risco de escrever asneiras...
mas não deu,você é muito bom!!!
Estarei por aqui sempre,para ler os seus sermões.
Acho bem este designio,pois parece que existe muita gente que não consegue distinguir o real do imaginário, hoje em dia é muito frequente,logo,muita coisa é escrita e não compreendida, simplesmente banalidades,nada correspondente ao senso comum...
E para ser publicado, em Portugal, é preciso ser bófia ou padre.
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