II. Zio Petros e la congettura di Goldbach, Apostolos Doxiadis, Bompiani, 2001
Uma história não contada directamente pelo livro é o pano de fundo cultural. A teoria dos números que impera no seu tempo é de matriz francesa (os Hadamard e quejandos) que por sua vez vem de origem alemã. A França de entre guerras, mais que qualquer outra, conhecia e era tocada pela cultura alemã. Na matemática, na física (a relatividade, a física quântica), na filosofia (Husserl e Heidegger, o neokantismo), na literatura (Thomas Mann, o expressionismo), no cinema... Em quase todos os campos a admiração francesa, e sobretudo o conhecimento francês em relação à cultura alemã, poucas vezes foram tão intensos. E no entanto, entraram em guerra. Por isso o adágio “é o desconhecimento que provoca o medo e as guerras” mostra-se mais uma vez francamente ingénuo. Por vezes é por conhecermos o vizinho que o odiamos. Por vezes apesar da admiração que lhe temos a repulsa fala mais forte. Talvez a guerra não tenha antídoto porque provavelmente não é um veneno.
Petros Papachristos é um dos muitos exemplos de homens de inteligência superior que não tiveram a bênção de rasgar um horizonte relevante, estando perto dele. Para cada Josué há frequentemente vários Moisés.
Significativo também por outra via: a do impacto do teorema de Gödel no modo de produção da matemática. A forma como encara a possível veracidade deste teorema mostra como a certeza da matemática era ainda um fetiche para a sua geração. De tal forma que um teorema que demonstrasse limites da razão poderia ser destruidor, quando em boa verdade é terapêutico. Mas afinal Gödel acreditava em fantasmas e talvez nos tivesse habituado a viver com eles como uma segunda natureza. O desespero de Papachristos mostra como se pode praticar com maestria uma ciência sem ter grande conhecimento dos seus pressupostos. Muitos cientistas criaram obra relevante, mesmo estando assentes em mitos científicos. Boa parte da química e da História, ou mesmo a biologia, foram criados por pessoas que padeciam de um cientismo ingénuo, o que não lhes retirou mérito à obra.
Que haja proposições indecidíveis (relativamente a um sistema lógico, a indecidibilidade é sempre relativa), convenhamos, apenas mostra que temos de começar por algum lado, que se chega a um ponto em que a premissa por definição é infundamentada. Que o sistema lógico em relação ao qual as premissas são indecidíveis é fruto de uma tradição, sem dúvida rica no seu conteúdo, mas uma tradição, é coisa que também Papachristos não percebeu. Que a formação da objectividade não seja mérito puro de cada indivíduo, mas de interacções individuais e de uma tradição (em parte Popper percebeu-o, mas não deu toda a devida ênfase à importância que a tradição tem para a matemática, como para qualquer cultura) só mostra que Papachristos vivia os fundamentos da matemática como um fetiche.
Poucas vezes vejo contar a história de um matemático como um drama pessoal. Matemáticos com vida trágica (se infeliz é outra história), Galois dá bom exemplo disso. Muitos outros têm vida opaca e esses são uma grande parte. Os matemáticos não têm tendência confessional, salvo quando são grandes também noutras áreas (como Leibniz, esse grande injustiçado que espera ainda quem lhe faça a biografia, e Pascal). Se quisermos saber algo mais de Gauss ou Hilbert ficam-nos algumas anedotas, mas pouco que nos releve o seu percurso vital.
Petros Papachristos dá-nos o exemplo contrário, talvez por nos ter ficado não o teorema, mas o testemunho. A tendência cristalizadora da formulação matemática obnubila a tragédia pessoal, o suor e o esforço. É essa em parte a dádiva que recebemos da matemática. A polidez de quem nos dá o presente sem nos remeter para o preço ou a dificuldade de o obter. Mas alguns conseguem ver no diamante a tragédia das árvores pressionadas até ao insuportável apenas para reluzirem sob outra forma.
http://www.ibs.it/code/9788845248610/doxiadis-apostolos/zio-petros-congettura.html
http://www.anobii.com/books/01fa8e43872491aeb4/
http://www.math.it/libri/ziopetros.htm
Alexandre Brandão da Veiga
Petros Papachristos é um dos muitos exemplos de homens de inteligência superior que não tiveram a bênção de rasgar um horizonte relevante, estando perto dele. Para cada Josué há frequentemente vários Moisés.
Significativo também por outra via: a do impacto do teorema de Gödel no modo de produção da matemática. A forma como encara a possível veracidade deste teorema mostra como a certeza da matemática era ainda um fetiche para a sua geração. De tal forma que um teorema que demonstrasse limites da razão poderia ser destruidor, quando em boa verdade é terapêutico. Mas afinal Gödel acreditava em fantasmas e talvez nos tivesse habituado a viver com eles como uma segunda natureza. O desespero de Papachristos mostra como se pode praticar com maestria uma ciência sem ter grande conhecimento dos seus pressupostos. Muitos cientistas criaram obra relevante, mesmo estando assentes em mitos científicos. Boa parte da química e da História, ou mesmo a biologia, foram criados por pessoas que padeciam de um cientismo ingénuo, o que não lhes retirou mérito à obra.
Que haja proposições indecidíveis (relativamente a um sistema lógico, a indecidibilidade é sempre relativa), convenhamos, apenas mostra que temos de começar por algum lado, que se chega a um ponto em que a premissa por definição é infundamentada. Que o sistema lógico em relação ao qual as premissas são indecidíveis é fruto de uma tradição, sem dúvida rica no seu conteúdo, mas uma tradição, é coisa que também Papachristos não percebeu. Que a formação da objectividade não seja mérito puro de cada indivíduo, mas de interacções individuais e de uma tradição (em parte Popper percebeu-o, mas não deu toda a devida ênfase à importância que a tradição tem para a matemática, como para qualquer cultura) só mostra que Papachristos vivia os fundamentos da matemática como um fetiche.
Poucas vezes vejo contar a história de um matemático como um drama pessoal. Matemáticos com vida trágica (se infeliz é outra história), Galois dá bom exemplo disso. Muitos outros têm vida opaca e esses são uma grande parte. Os matemáticos não têm tendência confessional, salvo quando são grandes também noutras áreas (como Leibniz, esse grande injustiçado que espera ainda quem lhe faça a biografia, e Pascal). Se quisermos saber algo mais de Gauss ou Hilbert ficam-nos algumas anedotas, mas pouco que nos releve o seu percurso vital.
Petros Papachristos dá-nos o exemplo contrário, talvez por nos ter ficado não o teorema, mas o testemunho. A tendência cristalizadora da formulação matemática obnubila a tragédia pessoal, o suor e o esforço. É essa em parte a dádiva que recebemos da matemática. A polidez de quem nos dá o presente sem nos remeter para o preço ou a dificuldade de o obter. Mas alguns conseguem ver no diamante a tragédia das árvores pressionadas até ao insuportável apenas para reluzirem sob outra forma.
http://www.ibs.it/code/9788845248610/doxiadis-apostolos/zio-petros-congettura.html
http://www.anobii.com/books/01fa8e43872491aeb4/
http://www.math.it/libri/ziopetros.htm
Alexandre Brandão da Veiga
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