terça-feira, 21 de abril de 2009

II. La meglio gioventù, Marco Tullio Giordana, Itália, 2003

A Itália é vista na caricatura como o país dos exageros e da gesticulação. Mas não podemos esquecer que, juntamente com a França, embora em épocas diversas, foi o país que mais contribuiu para o espírito de contenção, policé, clássico, de actuação. O cortesão do Castiglione e o salão da italiana Madame de Rambouillet contribuíram tanto para o afinamento dos costumes quanto a corte de Versailles ou os trovadores franceses.

O filme em questão mostra-nos uma verdadeira lição de contenção. Não uma cristalina e hierática movimentação, que acaba mais no exagero que na contenção, mas uma verdadeira lição de vida contada com restrição, cuidado, respeito, delicadeza, finura.

A vida respira por todos os lados neste filme, exactamente por não a deixar espirrar a todo o momento, nem toda a espécie de circulação aérea que possa passar pelos nossos esfíncteres ser exposta.

Damos como assente que a exposição de seres humanos numa obra de arte é fácil. É, no entanto das coisas mais difíceis que posse existir. Na maioria dos casos os filmes apresentam produtos tipificados, figurações meramente convencionais, planas, mais que previsíveis. O que é mais fácil é transformar actores em caricaturas e é bem mais fácil fazer gigantones que David de Donatello.

Ligar o vulcão interior e exterior (o Etna tem uma forte presença na obra) ao cuidado na sua exposição, o pudor na apresentação das personagens que as deixa mais frágeis com o resguardo dos seus sentimentos, a vida pessoal às vicissitudes políticas e sociais, não é obra para todos.

Fazer um hino à felicidade, em que curiosamente a Madonna e Aquiles se apresentam nos momentos chave, rodear de pessoas – passo o palavrão – boas, circunstâncias difíceis que não as impedem de procurar o melhor caminho, fazer isto tudo sem cair na lamechice nem no extremo contrário da dissecação neurótica das motivações, eis de novo obra rara.

2 comentários:

joão wemans disse...

O filme é mesmo cativante: consegue prender-nos, do princípio ao fim, pela maneira "simpática" como os intervenientes se relacionam com a vida e suas vicissitudes; pela contenção, que dá espaço a cada qual para jogar a sua sorte. Cativa-nos igualmente pelo charme que emana das pessoas devido a essa atitude magnânima.
"Simpatia" - julgo que tem algo de profundo e de filosófico; só é possível no seio do que chamamos de civilização...
Obrigado por ter chamado a atenção para uma obra que me marcou.
João W.

Miguel Poiares Maduro disse...

Caro Alexandre,

Concordo com praticamente tudo excepto a premissa inicial (na parte I): não acho que o cinema americano esteja em tão má forma e acho que muito do que mais original se faz vem de lá... Mas, fiquemos pelo acordo que é total quanto a este filme. Queria apenas chamar a atenção para o facto deste filme ter originalmente passado na televisão como uma série e alertar para outro filme italiano semelhante na abordagem e que também recomendo vivamente: Il mio fratello é fliglio unico de Daniele Lucheti. A ver.
Abraço
Miguel