quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Caçar com gato

1983, 1984, 1993 e 2003 foram os anos de contracção económica das últimas três décadas. Foram anos extraordinários.

Em 1984 os meus pais divorciaram-se.

A minha mãe, com a escolaridade mínima, fica com as duas filhas adolescentes para criar. Eu, a mais velha, tinha doze anos. Em sequência, decide abrir uma pequena loja de comércio de têxteis e de materiais de decoração. De início sem empregados, nem na loja nem em casa, habituou as filhas a ajudarem no sustento familiar estando na loja depois das aulas e nas férias e na realização das tarefas domésticas.
Nesse tempo aprendemos que as bananas faziam mal à barriga, que o fiambre era uma coisa esquisita e que a carne de vaca era muito pesada, sendo preferível a galinha e o porco, que de resto os familiares criavam.

Em 1993 juntei os trapinhos.

Tinha 21 anos estava no terceiro do curso de Direito em Coimbra e ao arrepio de pais e sogros perdi-me de amores por um colega de curso. Sem pensar muito, arrendámos casa. Nos primeiros seis anos almocei religiosamente em casa da minha santa sogra, por manifesta ausência de meios.


Em 2003 tive um filho.

Tínhamos ido para a Madeira para onde havíamos ido trabalhar uns anos antes. Em 2003 tivemos o nosso primeiro e único filho, madeirense, com a graça divina.

Que balanço fazer?

Bem, a minha mãe criou com coragem duas filhas a quem deu sustento, educação, viagens e mundo e a quem proporcionou estudos universitários a 150 km de casa.
A minha sogra, na altura quase septuagenária e pese embora a admiração por Salazar, tratou-me bem, ajudou-nos muito, mau grado achar aquilo tudo muito precipitado e errado.

Quinze anos e quinze kilos depois, continuamos juntos. A Madeira foi um sítio magnífico para se viver uns anos, o filho madeirense é um rapaz esperto e robusto.

2009 vai ser um ano difícil? Possivelmente vai. Todavia, aprendi em 1984 que quem não tem cão, caça com gato, mas caça. Ficar fechado em casa à espera que a comida nos venha bater a porta é que não.

Continuo a achar que foi uma sorte não ter sido educada a comer bananas, fiambre e bifes de vaca, são, afinal de contas, tudo coisas que engordam e fazem mal.

3 comentários:

Anónimo disse...

Cara Sofia Rocha,
Como ninguém comenta, comento eu, esta crónica prosaica e revigorante.
Apreciei uma certa dureza, e brio, que perspaçam estas linhas, escritas por uma jovem - anciã aos olhos das novas gerações instaladas no progresso.
Velho, a caminho dos 50, pai de seis filhos, desabafo: pena é que a Sofia só tenha um.
É de gente assim que se faz um Povo.
Desculpe este "tiro no escuro"; sei bem quantos dramas envolvem a questão da maternidade...
Aceite-o como um sentido elogio.

João Wemans

Sofia Rocha disse...

Elogio aceite, muito obrigada.

Anónimo disse...

Sofia,
Bravo! Não a conheço, nada sei de si a não o que vai transmitindo nestas linhas blogueiras. Mas esta crónica revela muito sobre quem a escreveu. Ainda bem que a vida lhe corre bem. Mas, afinal, foi a vida que a Sofia fez e criou. Uma bonita lição para os tempos que se avizinham, muito obrigada.