O Nu e o Óbolo
A greve
Seria capaz de se despir face a uma bateria de homens e mulheres com uma folha de desenho à frente e um lápis na mão? Ao meu não, rotundo e robusto, assistem razões de peso. Poupo-me à humilhação de as enumerar.
Não me poupo a uma confissão: o nu excitou mais a minha paixão pela pintura do que dezenas de sábias histórias de arte.
Como em todas as grandes histórias, também na história do nu em pintura, toda a gente conhece os generais – de Boticelli a Picasso, de Courbet a Egon Schiele – mas poucos reconhecem o soldado desconhecido que garantiu a vitória nas trincheiras. E sem eles – sem elas – nem a guerra teria sido ganha, nem sequer teria havido guerra.
Agora, arriscamo-nos a perder todas as batalhas. Em Paris, por decisão de Monsieur le Maire, os modelos estão mais nus e arriscam-se a ficar muito mais magros.
Explico-me. Sem intervenção da nossa dedicada e zelosa ASAE, acaba de ser proibida uma prática ancestral. Nas Belas Artes, era norma os modelos despirem-se, posarem e, no fim, dobrarem uma folha de desenho formando um « cornet », para recolha das mais ou menos generosas gorjetas com que artistas e alunos entendiam recompensar a mais árdua das tarefas : « não falar, não se mexer, nada produzir » que é como os próprios modelos definem a voluntária escravidão a que se dedicam.
Pagos a 10 euros a hora, estes e estas amantes da arte tinham no óbolo dos artistas um complemento espiritual que o respectivo físico também não desdenhava.
Chamo a vossa atenção para um pequeno pormenor : é preciso compreender o nu. O nu, nas Belas Artes, custa e custa muito. É feito de sofrimento e imobilidade. Os modelos despem-se e vestem-se atrás de um biombo. Se querem saber, entre uma pose e outra pode passar uma hora : nesse intermezzo não há aquecimentos, nem salas de espera. Não será preciso se-se de ferro, mas é preciso ter uma anatomia temperada. E as gorjetas ajudavam : valiam, dizem os modelos sem fronteiras, um quarto do salário. Autorizavam alguma piscina e, quando calhava, o ginásio. Por isso é que a gorjeta, embora proibida, continuava a ser tolerada nas Beaux-Arts. Agora – dura lex – nem proibida, nem tolerada.
Não me poupo a uma confissão: o nu excitou mais a minha paixão pela pintura do que dezenas de sábias histórias de arte.
Como em todas as grandes histórias, também na história do nu em pintura, toda a gente conhece os generais – de Boticelli a Picasso, de Courbet a Egon Schiele – mas poucos reconhecem o soldado desconhecido que garantiu a vitória nas trincheiras. E sem eles – sem elas – nem a guerra teria sido ganha, nem sequer teria havido guerra.
Agora, arriscamo-nos a perder todas as batalhas. Em Paris, por decisão de Monsieur le Maire, os modelos estão mais nus e arriscam-se a ficar muito mais magros.
Explico-me. Sem intervenção da nossa dedicada e zelosa ASAE, acaba de ser proibida uma prática ancestral. Nas Belas Artes, era norma os modelos despirem-se, posarem e, no fim, dobrarem uma folha de desenho formando um « cornet », para recolha das mais ou menos generosas gorjetas com que artistas e alunos entendiam recompensar a mais árdua das tarefas : « não falar, não se mexer, nada produzir » que é como os próprios modelos definem a voluntária escravidão a que se dedicam.
Pagos a 10 euros a hora, estes e estas amantes da arte tinham no óbolo dos artistas um complemento espiritual que o respectivo físico também não desdenhava.
Chamo a vossa atenção para um pequeno pormenor : é preciso compreender o nu. O nu, nas Belas Artes, custa e custa muito. É feito de sofrimento e imobilidade. Os modelos despem-se e vestem-se atrás de um biombo. Se querem saber, entre uma pose e outra pode passar uma hora : nesse intermezzo não há aquecimentos, nem salas de espera. Não será preciso se-se de ferro, mas é preciso ter uma anatomia temperada. E as gorjetas ajudavam : valiam, dizem os modelos sem fronteiras, um quarto do salário. Autorizavam alguma piscina e, quando calhava, o ginásio. Por isso é que a gorjeta, embora proibida, continuava a ser tolerada nas Beaux-Arts. Agora – dura lex – nem proibida, nem tolerada.
Os modelos vieram para a rua e manifestaram-se. Em carne e osso – e com justiça. Ao contrário do que costuma acontecer, as ruas ficaram melhores. Mais belas e menos perigosas. Foi só um gesto. A mim pareceu-me artístico : vejam as imagens. A cada um de nós, homens e mulheres, vai apetecer-nos abraçar a causa e pôr o objecto da nossa escolha no merecido pedestal. Temos por onde escolher e para todos os gostos. Com uma vantagem : não falam, não se mexem, nada produzem !
6 comentários:
Meu Caro Manel, deixe-me ser completamente incorrecta, como gosto, mesmo que, por isso, espatife a razão:
1. A questão dos modelos é laboralmente justa.
2. A tradição tem um valor que transcende o progresso.
3. A forma como decidiram manifestar-se é pacífica
4. A França não se resolve no dilema cartesiano/mediterrânico, etc
Mas.
1. E o amor à arte?
2. Quem se despe: trabalha, ama a arte, ama o seu corpo. Ou ama uma boa gorjeta? Onde moram estes modelos?
3. Tenho horror a bastidores. Quebram-me o encanto do espectáculo. Estragam-me a festa com a pieguice do fim do rímel. São altamente corrosivos para o
Inez, basta-me o facto do meu post lhe ter suscitado vontade de escrever para ter ganho o dia. Tenho pena que o comentário tenha ficado suspenso (fez-me lembrar quando jogávamos à estátua, em miúdos). Venha de lá o resto para continuarmos a conversa.
O biombo é a chave aqui. A intimidade do gesto de vestir/despir é preservada. A nudez, de per si, tem um valor relativo. Será sempre o processo de construção/desconstrução que nos fascina.
É por isso que preferimos "Gilda" quando calça as luvas ou uma "Belle de Jour" a caminhar sob um véu negro.
Vocês imaginam o frio que faz em Paris nesta altura do ano?
Abraços.
... corrosivos para o que mais importa na arte: a capacidade de abstracção. «Pelo sonho é que vamos» (Sebastião da Gama)
Desconhecia este caso. :-O
De facto é absurda esta proibição. Faz lembrar um pouco aquelas campanhas de moralidade dos países de mentalidade conservadora...
O Nu é sempre polémico, pois devido às nossas raízes judaico-cristãs, é sempre encarado com desconfiança, gerando atitudes hipócritas e contraditórias.
Já agora, se os/as strippers como performers do Nu recebem gorjeta porque é que os modelos não hão-de receber também? Só por não se mexerem nem falarem? O que estes produzem é algo que fica para a História enquanto que aqueles não...
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