O governo económico da Europa?
É interessante notar que embora se discutam os méritos do plano económico para a Europa apresentado pelo Presidente da Comissão Europeia Durão Barroso, ninguém parece reparar que tal plano pode constituir provavelmente uma das maiores transformações políticas da União Europeia. A União Europeia tem uma política monetária mas, diz-se frequentemente, falta-lhe um governo económico. A política económica permanece, em boa medida, nas mãos dos Estados e a União tem um orçamento irrisório quando comparado com o dos seus Estados Membros (a União sempre foi vista como um "Estado" regulador: legisla porque não tem o que gastar). O que Durão Barroso procura é criar um governo económico da Europa sem dinheiro e sem verdadeiras competências económicas. Dos 200 biliões de Euros apenas 30 biliões são da União Europeia. Os outros pertencem ao orçamento dos Estados Membros. O que Comissão faz é orientar a forma como os Estados devem gastar esse dinheiro.
Será esta estratégia viável ou apenas uma ilusão que o comportamento individual dos Estado se encarregará de rapidamente destruir? O seu possível sucesso assenta em duas componentes. Primeiro, politicamente, este é o momento certo para a Comissão assumir uma posição de liderança: reivindicando-se uma estratégia comum da Europa para sair da crise vai ser difícil aos Estados Membros vir agora opor as suas competências e políticas individuais ao projecto da Comissão. Segundo, sendo verdade que a Comissão não tem competências clássicas de governo económico ela pode impor fortes limites ao exercício pelos Estados Membros das suas próprias competências. Numa altura, por exemplo, em que os Estados necessitam de conceder auxílios económicos a várias empresas e sectores produtivos da sua economia é a Comissão Europeia que tem o poder de os autorizar. Um dos aspectos fundamentais deste "governo económico", emergente da proposta da Comissão Europeia, é o de dizer aos Estados onde eles estão "autorizados" a gastar o seu dinheiro. Desta forma, a Comissão define, indirectamente, as prioridades estratégias de investimento na União Europeia. Se for bem sucedida, a estratégia de Durão Barroso consubstancia um embrião de governo económico mas, igualmente, uma nova experiência de governo económico e político: o executivo descentralizado.
6 comentários:
Assim, ficaremos (nós UE) mais fortes no futuro. Há duvidas? Há, claro que sim. O futuro as dissipará.
Miguel, se me permite, tenho algumas dúvidas sobre a eficácia do mecanismo.
Tomemos como exemplo a flexisegurança. Nesta, a flexibilidade fica para as entidades empregadoras. A segurança cabe aos Estados ( por exemplo, ao nível da formação, da atribuição de maior e mais longo subídio de desemprego).
Como esta segurança pressupõe grandes recursos financeiros do Estado, nos últimos tempos não temos ouvido falar na flexisegurança, pois não?
Miguel,
como sabe eu prefiro não me meter "nestes assuntos" e quando me meto, é desastre certo. Mas gostei da racionalidade e clareza da sua exposição e da aparente correcção dos princípios da Comissão. Parece tão fácil que até eu percebi. Só que há os factos. Os chamados factos da vida.
Por isso lhe pergunto se não será bondade sua pensar que o movimento vai ser esse, o de uma Comissão que autoriza e o de Estados membros que investem e aplicam o seu dinheiro de acordo com aquela autorização?
Hoje mesmo, a comissária europeia,
Neelie Kroes, admitiu que as regras da Comissão relativas ao direito à concurrência deviam ser "esquecidas momentaneamente" ou "passadas a segundo plano", face à urgência da situação da Banca, desbloqueando a autorização para que o governo francês aplique 10,5 mil milhões de euros na recapitalização da sua Banca. A Comissão não queria, mas Sarkozy queria.
E, creio, que a Comissão vai fazer o mesmo (ou já fez?) perante a cara zangada do ministro das finanças de Merkel que quer recapitalizar o Commerzbank, o segundo banco privado alemão. A Comissão não queria, mas Berlim quis.
E assim, perante o alarido francês e a cara de pau alemã se esvaíram os princípios, absolutos note-se, de negação a apoios de Estado que visivelmente falsifiquem a lealdade da concorrência.
Não é isso que vai acontecer ao governo económico da Europa logo que privadas mas poderosas razões se oponham aos suaves e racionais comandos de Brixelas?
Um abraço
Caros,
Obviamente que estas coisas não são fáceis e não é seguro que a estratégia da Comissão funcione (por isso falei de um executivo descentralizado) mas acho que a tentativa é interessante. O problema que o Manel coloca é particularmente importante mas ainda mais delicado para mim de responder: é que se trata de fazer um juizo sobre a legalidade de certos comportamentos dos Estados Membros e sendo eu um membro do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias não me posso pronunciar a esse respeito. Se existirem processos trazidos pela Comissão ou por particulares logo ficará a saber a minha opinião... (ou então quando terminar o meu mandato dentro de menos de um ano!). Mas posso dizer que a possibilidade da Comissão iniciar um processo com um Estado Membro já lhe confere em si mesmo um certo poder negocial.
abraço
Miguel
Miguel, pelo que lhe tenho ouvido e lido, espero é que, num sinal de lucidez, a Comissão lhe renove o mandato. Se for essa a sua vontade, claro.
Abraço
Caro Manel,
Obrigado pela confiança mas nem o meu mandato depende da Comissão Europeia (a nomeação é feita por comum acordo dos Estados Membros) nem (masi importante neste caso) pode ser renovado... (há uma regras nos Tratados que estabelece a rotação no que concerne os mandatos dos AGs com a nacionalidade dos pequenos e médios Estados). Mas há muitas outras coisas interessantes para fazer... E vou poder passar a escrever mais (e com bstante mais liberdade!!) no Geração de 60!
abraço
miguel
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