quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Inverdades


Lembro-me que em 1980 tínhamos um pequeno aparelho de tv, a preto-e-branco e lembro-me de ver o meu pai saír de casa, de um salto, quando a tv dava as notícias do acidente de Camarate e ir para a rua tentar ver o ar que se respirava.

Essas imagens e a dos políticos desse tempo, ficaram-me gravadas na memória. Quando era miúda, tendia-se mais para o absoluto. Parecia que nesses tempos se usavam menos palavras do que hoje.E as que havia, pareciam absolutas.

Por exemplo, "verdade", "mentira". Estacávamos diante dessas palavras como diante de um fosso. Respirávamos fundo antes de afirmarmos que era verdade e não teríamos coragem de dizer que era mentira aquilo que sabíamos ser verdadeiro.
Para além de que chamar alguém mentiroso exigia coragem. Não raramente teríamos de defender ao murro e pontapé a palavra e apanhar um par de palmadas da progenitora não era caso virgem.

Hoje, desapareceram a responsabilidade, o fosso, a vertigem do absoluto e a coragem. Inventaram-se palavras novas. "Inverdades", é uma delas. É como um passadiço de madeira trémulo e inquieto que permite atravessar para o outro lado, em segurança.

Já não é preciso tomar fôlego. " Inverdades" é uma palavra inventada à medida dos irresponsáveis e dos cobardes.

5 comentários:

Vasco M. Grilo disse...

Sofia,

Este e' um tema que sugere um "Where were you that day?".

Eu estava em casa, de pijama como todas as criancas de 12 anos, "babysitted" pela minha avo'. Os meus pais tinham acabado de descer para encontrar uns amigos e ir a um comicio de apoio ao velho Mario. Nos meus 12 anos, recordo um ecran negro interrompendo a emissao e a noticia terrivel e surreal do acidente. Da janela gritei a noticia aos meus pais, que muito pequeninos la' em baixo me olhavam incredulos. No dia seguinte no colegio, um meu colega partiu o vidro da secretaria da professora com o livro de ponto gritando "Sabotagem!". Nesse dia fui expulso da aula por fazer corridas de carteiras pela sala por uma muito deprimida e conservadora professora de frances, chocada pelo facto de eu nao respeitar a ordem num dia tao triste para Portugal. Tudo verdade verdadinha......

Luis Melo disse...

Há 28 anos atrás, uma tragédia tinha lugar em Camarate, e morria o PM de Portugal Francisco Sá Carneiro, na queda do avião que o levaria ao Porto. Até prova em contrário, quero acreditar que tudo se tratou de um infeliz acidente.

Sá Carneiro foi um político único em Portugal. Talvez o seu percurso político tenha sido até perfeito. Foi eleito deputado á Assembleia Nacional e lá lutou, ás claras, pela liberdade e pela igualdade. Não se escondeu ou fugiu, deu a cara pelos seus valores e ideais.

Depois da revolução de Abril em 1974 fundou o PPD e contra todas as expectativas obteve um sucesso incrível. A adesão ao partido foi massiva e rápida. O seu trabalho foi reconhecido pelo povo em 1979 quando lhe confiaram a liderança dos destinos do país.

Sá Carneiro livrou Portugal de uma hipotética ditadura militaro-comunista e pugnou sempre pelos valores da liberdade, igualdade e solidariedade. Foi amado e odiado, mas nunca ignorado ou desprezado. Sempre respeitado.

Não fosse a tragédia de há 28 anos e de certo Portugal seria hoje um país diferente. Não tenho dúvidas de que Sá Carneiro teria feito o mandato de 79-83 e também outro de 83-87. Isso, portanto, não invalidaria a chegada, nessa altura, de Cavaco Silva que foi outro dos bons PM de Portugal.

Redonda disse...

Lembro-me muito bem desse dia. A caravana do Gen. Soares Carneiro a passar; o meu Pai a sair para o Caldas; um dos meus irmãos a partir um aquário; a telenovela Dona Xepa a não passar; os meus anos que não se festejaram. Mas mais importante e mais grave: uma ideia de Portugal que não vingou.
Passados 28 anos, um dia negro da nossa história.

Sofia Rocha disse...

Obrigada a todos pelos comentários.

Sofia Rocha disse...

Quanto ao respeito, rectius.

Francisco sá Carneiro foi vítima de uma campanha calúniosa e difamatória levada a cabo pelo PCP.
A quem se interessar por estas matérias, recomendo o livro de Zita Seabra "Foi assim".