quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Se um elefante incomoda muita gente…


Sempre entendi a política como coisa séria. Para ser levada a sério. E tratada com seriedade.

Mas foi vingando a ideia de que o sério é chato. E, na busca de uma política apelativa, a modernidade mediática trouxe soluções: o debate vestiu a cor do circo e a crítica acantonou-se no humor.

É claro que não vinha mal ao mundo da existência de tais produtos – aliás, em voga aquém e além-fronteiras.. O problema sempre foi – como sempre seria – o exclusivo. Houvesse outros meios de aceder à discussão, de aprofundar argumentos e de desenvolver o contraditório e nada de mais grave ocorreria.

Sucedeu, no entanto, que a graça feita para ser ligeira e inconsequente acabou por, à falta de registo sério, passar a ser o seu contrário. A inconsequência tornou-se profundamente consequente e promoveu uma efectiva corrosão no espaço público.

O efeito foi exponencial. Tipicamente, não seria possível resistir: não há regras, não há armas, não há defesa. Um boneco menos simpático, uma graçola mais pesada e o destino fica escrito.

Para o poder, o jogo é tentador. Mas arriscado. Num primeiro momento, pode ser muito eficaz. No que diz, no que não diz, no que distrai. Porém, com o tempo, é muito provavelmente devastador.

O fim de carreira do “Gato Fedorento” na RTP foi sinal eloquente dessa percepção. Aliás, como tal não escapando aos mais desatentos. Por isso, muito mais subtil e certeiro, foi o discreto desaparecimento do “Contra-Informação”. De um dia para o outro, sem aviso, sem alarde. Vítimas do seu sucesso: qual bobos da corte que exorbitaram. Agastando o poder, tornaram-se incómodos - logo, dispensáveis.

Poder avisado, este que temos. E perigoso, cada vez mais perigoso.

10 comentários:

josé manuel faria disse...

Cheguei aqui atravéz do Atlântico.

A RTP é do Governo e ninguém se indigna!

Manuel S. Fonseca disse...

Cara Sofia,
por uma vez discordo substancialmente do que diz. Os seus pressupostos fundam-se numa seriedade que exige prova.
Sem que isso invalide as razões para que o cidadão comum se sinta escaldado com as políticas de "comunicação social" (ou será de "socialização da comunicação"?) seguidas nas últimas duas décadas pelo PS e pelo PSD, que eu saiba a saída dos Gato, da RTP para a SIC, foi uma decisão apoiada exclusivamente em razões de mercado, envolvendo os próprios e, julgo, a persuasão e mérito negociais do actual director de programas da SIC.
Há duas hipóteses: ou estou mal informado, o que significa que para me informar já não basta o que é publicamente dito, escrito e emitido pelos media (e isso sim, assusta-me, por significar que só os quartéis-generais, sejam eles quais forem, é que "sabem"; ou tenho a mais prosaica das razões.
Quanto ao "Contra-Informação", tenho opinião própria sobre os conteúdos (de que nem sou particular apreciador, lado para o qual os criadores dormem melhor), e julgo que a programação que o directo da RTP lhes atribuiu, (antes do Jornal das 13:00, ao sábado) pode dever-se a tudo, menos a serem "vítimas do seu sucesso".

Pedro Sá disse...

Os GF foram questões de dinheiro.

A CI porque o modelo esgotou.

Sofia Galvão disse...

Caro Manel,
Assim sendo, por uma vez, discordamos mesmo. Na substância.
Sobre o fim do Gato Fedorento na RTP, as “razões de mercado” e “a persuasão e mérito negociais do actual director de programas da SIC”, apenas lembro o espanto com que vimos a RTP pagar milhões para assegurar as transmissões do futebol, nomeadamente o exclusivo, em canal aberto, dos jogos da Liga (superando aquela que, nas palavras de um administrador da Media Capital, terá sido a maior proposta alguma vez avançada pela TVI). Ou seja, como em tudo, há prioridades. E esta não é nova. O doutor Salazar, perante o dilema, não teria tomado outra opção.
Sobre o Contra-Informação, goste-se ou não, julgo que a passagem de ‘prime time’ diário para o fim da manhã de sábado fala por si. Cansaço? Talvez. Mas a coincidência é curiosa. E a conveniência, preocupante. Vivemos num tempo que é o que é. Nos EU, quase metade dos jovens confessam acompanhar a actualidade política através do "The daily show", de Jon Stewart. Podemos não gostar da ideia (e eu não gosto particularmente), mas é assim que estamos. E, neste contexto, o Contra-Informação chegava longe e podia calar fundo.
Ainda uma nota sobre a informação possível a partir do que “é publicamente dito, escrito e emitido pelos media” e o saber oculto dos “quartéis-generais”… Não falando destes, que desconheço, admito não ter grandes ilusões. No que é dito e escrito, procuro pistas e pontos de apoio (às vezes, encontrando sobretudo recados), não muito mais. Nos media, não busco verdades definitivas e inabaláveis. Pelo contrário, dou o desconto. Na política, por razões óbvias. Noutras matérias, por não conseguir encontrar tranquilidade relativamente às notícias publicadas por parte daqueles que, em razão da matéria, sabem do que se escreve ou fala. Nos media, confesso, interessa-me, antes de tudo e no fim de tudo, a Opinião: cada vez mais, um espaço de liberdade, que respira e pode inspirar.
Last but not least, não percebi a sua alusão à exigência de prova. Não percebi mesmo – prova da seriedade? De quê? De quem? Seja como for, quanto à prova do que se diz ou não diz no espaço público, partilho consigo (por admiração, respeito e amizade) a minha convicção: julgo que radicam aí confusões graves que, mais uma vez, só servem a claustrofobia e o silenciamento. Prova faz-se nos tribunais e, em geral, na vida jurídica, em função de regras conhecidas e de ónus assumidos. No espaço público, só conheço um regime: liberdade e responsabilidade. Com tais pressupostos, podemos defender determinadas leituras dos factos, tirar ilações, construir cenários, desenvolver argumentos. Numa base metodológica de plausibilidade, sem a qual não há consistência, nem racionalidade. Mas é isso. Tão-só isso.
Portanto, Manel, para escrever o que escrevi, basta-me ver televisão e, sobretudo, olhar para o país em que vivo. Posso estar errada, pois claro. Mas a possibilidade de errar não deve calar-nos. Nem a mim. Nem a si.

Táxi Pluvioso disse...

Então os Gatos não foram para a SIC numa jogada de mercado, porque o Santos os levou? Há algo sinistro no mercado livre? O mercado é transparente como se sabe.

Por acaso percebo o sucesso dos rapazes, é que temos que ver muitos programas para encontrar algo com piada, o resto é sensaboria para enganar os putos e extasiar os intelectuais.

A programação da RTP é estranha. Invetem em programas e depois não mantêm um horário para criar habituação e as coisas desaparecem. O Contra Informação foi para Sábado de manhã,mas também perdeu alguma da sua piada. O vigor criativo morre, como tudo na vida.

O mesmo sucederá ao Marcelo. Quem perde tempo a ver um gagá a mandar postas de pescada como se fosse dono da verdade.

Há 30 anos que se houve dizer isto da comunicação social.

Redonda disse...

Pelo que leio parece-me que não vivemos todos no mesmo país e que a RTP do Manuel S. Fonseca não é a mesma da Sofia Galvão.

joshua disse...

O Manuel S. Fonseca é muito faneca para tapar o solzinho com a peneira PS, a Cosa Nostra é completamente deles.

No mais, este intelectual sigular, letrado e publicado, é loquaz e papagaiento o que até lhe parece conferir um austeritas e gravitas para levar a sério e em linha de conta. Nada mais ilusório.

Não esqueço que tratou-me a mim como lixo só por ter eu exercido o meu direito público ao humor e à indignação regada a calão.

Quanto à Sofia, quanta verdade. Mereceria ser mais lida desde que menos circunloquial e mais directa e incisiva.

joshua disse...

Custa-me dizer isto, mas o táxi pluviómetro deixou ali um H num verbo que funcionou como giz mal manuseado na ardózia do quadro negro.

joshua disse...

aos meus olhos leitores sensíveis. Atenção, táxi, tento nos dígitos.

Sofia Rocha disse...

Sofia, concordo em grande medida com o que afirma, tem razão quando diz a "crítica acantonou-se no humor". É verdade. Mas porquê?

Penso que o humor encontrou um espaço vazio, não ocupado e expandiu-se.
A verdade é que muitos políticos demitiram-se de ocupar esse espaço. Acantonaram-se num discurso próprio e hermético, longe das vivências e preocupações comuns. Viram o espaço a ser ocupado pelo humor ( absolutamente necessário) e não compreenderam o fenómeno, nem fizeram nada para o contrariar.

Passaram a ser chatos e nem sequer foram sempre sérios...

Mesmo assim acredito que há espaço para debates sérios, já agora feito por gente séria nos princípios e na acção, que não têm necessariamente de ser chata.

E quando assim é, as pessoas, por mais simples que sejam, não se deixam enganar.