segunda-feira, 27 de outubro de 2008

I. Islão e cristianismo

Há muitas e imensas diferenças entre o islão e o cristianismo. As mais visíveis são importantes, relevam dados históricos e civilizacionais profundos de diferenciação. É certo que a invasão paulatina de sub-proletariado na Europa torna muito de moda um discurso paliativo, mole, desdentado. São diferenças de valores, de culturas, substantivos e muito importantes. A capacidade de gerar democracia, a situação da mulher, a criação científica, artística são apenas alguns destes motes. Todos eles importantes, saliento. Todos eles diferenças irrevogáveis eventualmente.

Algumas não serão irrevogáveis, mas são tendências fortes. Por exemplo, a arte representativa, rara salvo no Islão turcófono ou em certa arte médio-oriental paleo-islâmica, e mesmo nele menos desenvolvida, tem paralelo na iconoclastia cristã, embora de modo mais fraco (dizem que os palácios bizantinos durante a iconoclastia estavam pintados de luxuriantes cenas de caça).

Mas não é essa a perspectiva que agora me preocupa. O que me interessa neste momento é ver o que é inequivocamente irrevogável no que respeita à diferença entre estas duas civilizações, estas duas religiões. Sintetizam-se em quatro aspectos: antiguidade, complexidade incarnação e relação com o texto sagrado.

Antiguidade em primeiro lugar. O cristianismo é mais antigo que o Islão. Nada poderá mudar isso. Os europeus que em classe média se fascinam com a antiguidade desse mítico Oriente, de que são mais legítimos herdeiros do que julgam e menos usurpadores do que pensam, costumam olhar para esses países de antiga civilização como se fossem de cultura mais antiga que a deles. O problema é que quando olhamos à volta da Europa encontramos um mundo marcado por uma herança bem mais recente que a europeia. Esse mundo começou seis séculos depois do cristianismo, o mundo do Islão. O Egipto que hoje é conhecido é-o por obra de europeus. Foi Heródoto e sobretudo Champollion quem nos deram esse mundo. Para o “felah” que atravessava os campos apenas se postavam pedras à sua volta. O xeque árabe elogia o arqueólogo alemão que no século XIX descobre sob a areia a civilização da mesopotâmia dizendo: durante gerações os nossos homens passaram por aqui e só viram areia e eis que chega o europeu e diz: é aqui. E desenterra um passado de que nunca suspeitáramos.

Quando surge o Islão o mundo cristão já é antigo e rico. Tivera acabado o cristianismo em 625 já haveria trabalho a dar a muitos historiadores durante séculos. Tertuliano e Santo Agostinho, Orígenes, o Pseudo-Dionísio o Areopagita Gregório Magno Leão Magno, Boécio, Ausónio, Cassiodoro já tinham existido. As belezas de Ravena, Roma e Constantinopla já estavam construídas. O Código de Justiniano já estava há muito publicado. Duas grandes culturas eram cristas, no ocidente e no oriente, a Arménia, a Geórgia já eram cristãs. Em três continentes o cristianismo já existia e já produzia grandes obras de arte, literárias, filosóficas, uma administração, formas de governo.

O Islão é herdeiro do cristianismo e não o contrário. Isso deve-se não apenas a uma relação da antiguidade, mas cede perante ela. Issa (Jesus) a Virgem Maria são personagens do corão, Maomé não o é do evangelho.

Quando se discutem por isso dívidas, se as houver, temos de começar pelas dívidas que tem o Islão em relação ao cristianismo e não o contrário. A noção de “Umma”, da comunidade dos fiéis, escora-se na de Ecclesia, fortemente elaborada pelo cristianismo. Niceia-Constantinopla já estava elaborada plenamente quando surgiu o islão. Tanto sob o ponto de vista religioso, como institucional e civilizacional o cristianismo já era cultura bem antiga quando surgiu o Islão. Foi às suas estruturas (e em parte às persas) que o islão foi buscar os seus conceitos teóricos, as suas formas de governo, as suas escoras civilizacionais.

Nada poderá mudar isso. O muçulmano, quando olha o cristão, apenas pode ver quem o ensinou a fazer do Islão a possibilidade de uma cultura.

2 comentários:

Anónimo disse...

É bom lembrar certas coisas, para que possamos ter
as atitudes correctas.
Muito obrigado,

João Wemans

Anónimo disse...

Excelente post.

Com os melhores cumpts.,
CCInez