terça-feira, 23 de setembro de 2008

"O liberalismo científico"

La Famille Heureuse, Geneviève Van der Wielen

Provavelmente teremos de voltar às coisas simples. Desde que a economia, a mais séria das sérias mulheres de César, descobriu o prazer sôfrego e avassalador da montanha russa, as nossas vidas perderam a linha regular e previsível que nos servia de horizonte. O que, ontem, era religião passou, hoje, a seita fanática e repulsiva. E isso era ontem, porque hoje, o que era verdade há uma hora é já mentira há cinco minutos.
Wall Street, qual fénix, levanta-se orgulhosa, mas enfraquece-lhe o joelho Dow Jones à esquerda e fere-se-lhe a asa Nasdaq à direita. É tiro e queda.
O petróleo, cansado do fausto milionário dos 100 dólares, parecia ter regressado à burguesa normalidade de uma discreta prosperidade e bem-estar. Num só dia, com desculpas de que há divórcio e estalada no Delta do Níger, voltam a subir-lhe à cabeça os delírios de ouro negro e o “light sweet crude” chuta para os 120,92 dólares o barril em Nova Iorque. “Quando não se aguenta um copo não se deve tentar beber um barril”, já me dizia, e dizia bem, o barbeiro (ó meu velho e abençoado Mário) do bairro adolescente e angolano que me criou.
Posso – podemos – com algum estoicismo, aguentar tudo. Mas há limites. Quando, em menos de uma semana, George W. Bush, o último e prosaico esteio de um mundo ordenado e harmonioso, transforma os Estados Unidos da América na maior economia socialista do mundo, eu tremo e Marx e Lenine sentem-se uns palhaços.
Para que serve, agora, toda a – tanta, tanta – sabedoria que reuni em noites de bar aberto e fumo espesso e lúbrico? Ah, de que valem, hoje, as intoleráveis batalhas travadas em festas onde as feridas ideológicas se apaziguavam com o bálsamo de “slows” dançados até à última gota?
Confesso, reaccionário, que me invade uma proustiana nostalgia. Gostava de voltar a viver num mundo que compreendesse. O que eu não dava para voltar a viver no mesmo mundo a que devo tantas horas de felicidade egoísta e descuidada.
Talvez, amanhã, o petróleo baixe, a Bolsa suba e Bush regresse ao “liberalismo científico”. Mesmo assim, provavelmente, nunca mais voltaremos às coisas simples.
Publicado por autor anónimo no Pnet Homem.

2 comentários:

andrea disse...

Ou como dizia o outro; All you need is love.

Abraços.

Manuel S. Fonseca disse...

Andrea, gostei de te ver, mas chegaram-me bad news. Confirmas-me. Abraço