A pena e o gládio
Rubens, Aliança entre Terra e Água
Há quem pense que, num homem, talentos poéticos e dotes de escrita indiciam uma clara e preocupante sublimação da sexualidade. É Verão, e não vejo que venha mal ao mundo em discutir-se já a tese.
Haverá, de facto, alguma relação causal entre o uso da pena e o desempenho do gládio? O arrebatamento com que um homem se entrega às elegantes e cursivas expansões da escrita implicará um murcho e recolhido cativeiro da sua potência sexual?
Haverá, de facto, alguma relação causal entre o uso da pena e o desempenho do gládio? O arrebatamento com que um homem se entrega às elegantes e cursivas expansões da escrita implicará um murcho e recolhido cativeiro da sua potência sexual?
A pergunta é muito mais embaraçosa do que parece. Qualquer tentativa de argumentação – ainda por cima na forma escrita – arrisca-se a mal entendidos e a destruir a mais férrea e viril das reputações.
Opto por oferecer-vos uma lista concludente e irrebatível de histórias de sucesso. Sim, é possível, como vão ver, passar horas a escrever e outras tantas entregue a inconfessáveis apetites. Espero, assim, dar um contributo cultural indelével para que jovens e promissoras vocações não deixem de cumprir-se por venal temor de uma insidiosa e infundada acusação.
Lembro-vos, para começar, o caso famoso de Giacomo Casanova. Escreveu 28 volumes de memórias. Nelas revela 132 casos de sedução ardente. Pormenor saboroso: era, avant la lettre, um homem de e da globalização, já que essas 132 mulheres que lhe concederam favores eram de 99 nacionalidades diferentes. Chamo a atenção para o facto destas memórias serem só a ponta (em todo o caso firme e meritória) do iceberg. Consta que Casanova terá dormido (e, sem ofensa, presumo que nalguns casos tenha sido apenas isso) com cerca de 10 mil angélicas representantes do sexo oposto.
Outro exemplo. Dois escritores franceses de inabalável estirpe, Guy de Maupassant e Georges Simenon, parecem ter-se fixado num número fetiche: as mil mulheres. Com elas gozaram delícias venusianas. Há diferenças que convirá realçar. Maupassant auto-imputava-se o dom de múltiplos orgasmos e músculo para levantar bem alto a bandeira por toda uma noite. Já Simenon, para perfazer a milenar contabilidade, não se eximiu a arredondar a cifra arregimentando prostitutas.
Mais moderado foi Balzac. É verdade que escrevia cerca de 15 horas por dia e que o tempo, mesmo para o autor dos 100 romances da “Comédia Humana”, não estica. Tudo esticado, na carnal matéria em apreço, a ele deu-lhe para mais de 10 e menos de 20 amantes ao longo da vida.
A outro símbolo da bela França, Victor Hugo, louva-se a alvoroçada diligência com que encarou a noite de núpcias, em que terá levado à glória, por 9 vezes, a sua bem amada Adele Foucher. O autor de “Os Miseráveis” foi também, num precursor referendo feito aos bordéis gauleses, considerado o patrono das prostitutas. Quando morreu, o governo autorizou aquelas horizontais eleitoras a acompanharem o funeral. Vieram, cobrindo com lenços negros as partes anatómicas mais sinceramente enlutadas.
Poderia invocar o maldito nome de Sade, os insaciáveis apetites de Robert Louis Stevenson e de Lord Byron, a infidelidade crónica de Kingley Amis, o sexo sem nexo de Henry Miller. Não interessa. Creio ter já provado o meu ponto. Lá fora, está uma fantástica noite de Verão a pedir mais do que argumentos literários. Ou, nas calorosas palavras do mesmo Miller: “I hear not a word because she is beautiful and I love her and now I am happy & willing to die.”
Crónica ortodoxa em férias heterodoxas, publicado no Pnet Homem.
4 comentários:
A esta simpática crónica, só posso reagir com simpatia.O meu estado habitual de assustadiço,foi-me tornando um mero espectador, encantado,
das coisas do Mundo, ao mesmo tempo que um inábil
devoto das coisas de Deus.
Deixo a sugestão de uma leitura muito original:
"La profondeur des sexes - Pour une mystique de la chair" de Fabrice Hadjadj.
João Wemans
Manuel, cheguei a temer que, a partir deste post, nos fosse fazer um dos seus costumeiros desafios. Antecipando-me, porém (porque é Verão!), lembro três casos conhecidos na história da filosofia, que vão no sentido inverso, temo-o bem, do destes seus machos da literatura.
Primeiro, o de Xantipa, a mulher de Sócrates, que sempre insatisfeita com o facto do marido não ser nomeado para coisa nenhuma, todos os dias massacrava o pobre homem, havendo mesmo quem diga que, à noite, no leito conjugal, negava entregar-se-lhe, como forma de persuasão.
Depois, o de Schopenhauer, que do sexo conheceu apenas o excesso com que sua mãe o praticava, a partir do que o considerou como o instrumento por meio do qual natureza fazia com que as mulheres - essencialmente manhosas - enganassem os homens. Consta, nesse sentido, que nunca se deixou enganar!
Por fim Hegel, de quem nos chega a comevedora história de que escreveu a sua Ciência da Lógica durante a lua de mel, o que, para além de negar o preconceito comummente difundido de que as mulheres têm uma lógica diferente da nossa, não deixa de nos espantar quanto à firmeza - do seu carácter...
É voz corrente que poesia é para maricas, e não há razão para mudar de opinão. A espada de Nuno Álvares compensa, a pena de pato, só rabisca, e não rende dignidade para o país.
A arte e o sexo.
O que não tem a ver com arte depois das rupestres? E o que não tem a ver som sexo depois de Freud?.
Fico com a arte e as rupestres e deixo o sexo aos anjos da ciência, que o não terão.
Quanto à relação entre um e outro, é assunto íntimo, insondável, que delego na casuística da História, sem regra de fundo, algo que só as mais cultas memórias - ou as mais internistas - podem esclarecer numa qualquer estatística que não será exaustiva.
Enviar um comentário