segunda-feira, 7 de julho de 2008

Os académicos ao (no) poder?

No Financial Times de hoje Wolfgang Münchau atribui parte da responsabilidade pela actual crise económica à excessiva importância dos professores de Economia na formulação das políticas económicas… Citando Bhagwatti, recorda uma frase de Kenneth Galbraith a propósito de Milton Friedman: "o azar do Milton foi terem experimentado as suas políticas". A tese de Münchau é que quando os académicos se tornam políticos ou policymakers eles correm um duplo risco na sua reputação quando se enganam, tornando-se muito mais difícil que mudem de opinião e corrijam o rumo.
Isto recordou-me uma conversa recente com um político a propósito da relação entre políticos e académicos. Ele dizia-me que nunca tinha obtido nenhuma ideia útil vinda de um académico. Eu respondi-lhe que frequentemente os políticos não pretendem ouvir novas ideias mas sim que lhes reforcem as suas. Se os políticos se queixam da falta de utilidade dos académicos, acusados de ignorar a realidade política, os académicos queixam-se da falta de coragem dos políticos para implementar as suas boas ideias. Isto acontece mesmo quando o académico se torna político e vice-versa…
Este cepticismo mútuo é, em boa medida, saudável. Os discursos da política e da ciência não devem confundir-se, até para evitar os riscos de que fala Münchau. Se, como dizia um poeta francês, não se devem dar fósforos aos intelectuais para brincar, os académicos também não devem aceitar instrumentalizar a ciência à política. No entanto, é, igualmente, importante que isto não se transforme num diálogo de surdos. Só será um diálogo útil se cada um compreender o contexto em que o outro opera e o valor acrescentado que lhe pode trazer. Os políticos não devem esperar realismo mas originalidade dos académicos. Se querem ideias novas têm de estar disponíveis a pensar para lá do status quo. É aos políticos que compete converter as boas ideias dos académicos em propostas políticas realistas. Os académicos não devem presumir que sabem mais que os políticos e que os podem instrumentalizar às suas ideias. Sobretudo, não devem esquecer que a legitimidade política pertence aos políticos. A este respeito, não deixo de notar que em Portugal parece existir uma tradição de excessiva autoridade do discurso académico sobre outros discursos sociais, incluindo a política. Um dia voltarei a escrever sobre isto..

4 comentários:

Sofia Rocha disse...

Miguel, será que estas dicotomias universidade/política ou universidade/empresas são fenómenos essencialmente de matriz continental, ou também se verificam nos países anglo-saxónicos? E se sim, com maior ou menor grau?

Alexandre Brandão da Veiga disse...

Saliento Miguel que já que fazer mais uma distinção. Entre o discurso académico e o teórico. O discurso académico não é teórico puro. Tende a ser corporativo. Usa o saber como arma política e como privilégio de um grupo formalizado.

Concordo contigo com o excesso de peso da academia em Portugal. Mas este é exactamente a expressão da falta de teorização livre, não institucional, no espaço público.

O teu texto mostra que os países anglo-saxónicos padecem do mesmo mal que os continentais. Cada um deles confia em academias diferentes e em teorias diferentes. Mas no fundo ambos acabam por ter uma relação malsã com a teoria.

Manuel S. Fonseca disse...

Acho particularmente feliz a ideia de que "não se devem dar fósforos aos intelectuais". A vocação pirómana da classe é manifesta.

Miguel Poiares Maduro disse...

Não penso que exista uma divisão clara entre países anglo-saxónicos e continentais a este respeito mas existem, seguramente, variações entre países. Como o Alexandre o caso português é particularmente interessante: há um tradição de outsourcing de muitas políticas públicas aos académicos (muita da nossa legislação mais importante é "produto" de comissões cujas opções políticas são apresentadas como técnicas e excluídas, dessa forma, do debate político). Acho que parte da justificação reside na nossa história política (a nossa ditadura foi uma ditadura de professores, não popular nem militar) e na nossa fraca qualificação humana em geral (que exalta, por comparação, os "professores doutores").