quarta-feira, 11 de junho de 2008

A história de Léah

São 28 páginas. Nelas se escreve e descreve uma das mais calorosas histórias de amor que li, já lá vão quase mil anos. História de um lirismo sensível e “coagulado”, como diz o autor desse conto, um hoje quase ignorado escritor para quem tenha menos de 45 anos, de sua graça José Rodrigues Miguéis, clandestino na Europa, exilado na América,onde foi companheiro de Jorge de Sena, e onde acabou por morrer, bem longe da ditosa pátria tão desamada.
A história passa-se em Bruxelas, quando a Europa era um desunido e inconciliável puzzle de nações. Local da acção: uma pensão sórdida, de camas desfeitas, mau aquecimento, exíguos lavatórios e águas por despejar.
O narrador – quem será? o próprio Miguéis? um humilde e angustiado beirão? um destes tipos viris cuja masculinidade sucumbe ao primeiro sinal de candura feminina? – o narrador, dizia eu, essa voz tão pessoal mas de olhar distraído, é surpreendido (num desconsolo que hesitava entre as três e as quatro da tarde) por um rosto luminoso, boca carnuda e, sobretudo, por um corpo redondo a que a frescura da juventude conferia uma disponibilidade amável e desassombrada, inocentemente ignorando a previsível ameaça da erosão do tempo.
Na vida deste luso sem qualidades, Léah, a criada da pensão, falando o “francês aveludado de Pas de Calais”, é uma explosão que se “abre e rescende como uma flor”, como é (na minha mal informada opinião) a primeira afirmação na literatura portuguesa de uma sexualidade sem culpa, sendo seguramente a primeira celebração de uma “carne comunicativa, terna e compassiva”.
O narrador e Léah amam-se, a partir daí, todas ou quase todas as noites, ou mesmo às quatro da tarde – cabeça de quem reclinada sobre o regaço de quem? boca sincera e solícita dela a apaziguar a lusitana exasperação dele! – até lhes acontecer, magro e funesto, o primeiro beijo triste e amargo.
Quem, como na canção patética de William Blake, terá, primeiro, acolhido no acendrado colo o imundo verme do egoísmo e do medo?
Peço-vos que leiam. “Léah” é um conto de 28 páginas. Escrito num português simples e cristalino. Está nas Obras Completas de José Rodrigues Miguéis, da Editorial Estampa. A 6ª edição, a que conservei, é de 1981.
E, sempre que queriam, apareçam por aqui às 3ªs. É o meu dia de fazer companhia a mais 6 ilustres cavalheiros.

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