CŒURS — Alain Resnais
“O inferno somos nós”, diz Charlotte (Sabine Azémas) a Lionel (Pierre Arditi). Corações que ardem por entre a neve e o frio da cidade mas que se contêm no limite do pudor. Vacilam, vão arriscando sem passar a linha da sua própria vergonha. Da vergonha da solidão. Que nos quer dizer Alain Resnais em Cœurs?
Que as mulheres actuam premeditadamente? Que os homens estão sempre à espera do que o destino lhes trouxer? Que as expectativas que temos nos outros são criações nossas, tão frágeis que um acaso as pode fazer desmoronar-se? E o regresso à solidão faz da vida uma dolorosa e desencantada espera pela morte dissolvente? Que não podemos verdadeiramente conhecer os outros? Que os corações ardem, mas a vida está sempre a apagá-los? Que nos alimentamos do desespero? Que temos de aprender a amar a beleza da tragédia que é o abandono a que estamos destinados?
Retrato da modernidade? Da vida na cidade? Na cidade não há lugar para o amor? É essa a doença da cidade? É tudo isso, e podia não ser tudo isso. De Alain Resnais podemos sempre esperar um “Smoking” e um “No Smoking”.
Entretanto, deixa-nos suspenso de uma mestria em que restam já poucos autores. Cada personagem entra em cena com os ombros carregados de neve, da neve de um inverno cuja frieza contrasta com o inferno dos seus corações, das suas vidas condenadas ao pudor de uma solidão escondida. Um pudor que nasce de um mundo em que o amor já só pode ser secreto e muitas vezes solitário. Sem par. Um Resnais desencantado. Um maravilhoso desencanto, se visto na tela, como todas as tragédias.
3 comentários:
João Luis, já me desarrumou o domingo. Tinha planeado leituras e sestas (só eu sei o que vou fazer por volta da hora do jantar) e, assim sendo, depois de ler a sua metafísica divagação francesa, lá terei de descobrir uma sala e uma sessão da tarde em que o Resnais me toque o coração. Obrigado e um abraço
Há hora de jantar também eu sei o que vou fazer e espero que o cœur aguente. Obrigado pela sua nota. Um abraço
Já fui ver. Tombe la neige tout est blanc de désespoir.
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