A cobardia
Muito apreciado na modernidade é esta aparentemente benéfica pluralidade de opiniões em convívio saudável. Quando vemos pessoas reunidas mas verificamos como estão intelectualmente distantes, interrogamo-nos sobre o que autenticamente as une.
No tempo das ideologias o proselitismo em torno deste ou daquele gerava acotovelamento e filas para engrossar hordas de apoiantes. Talvez sempre, na história, tenha havido razões para estar de algum dos lados de qualquer conflito declarado ou latente.
Também, sempre uma maioria silenciosa permaneceu em silêncio sem se manifestar. Quer dizer, sem se comprometer. O seu silêncio deu aos que se manifestaram uma legitimidade que a manifestação dessas maiorias silenciosas teria abafado ou relativizado.
Porém, a hipocrisia desta nossa pretensamente livre sociedade contemporânea fez medrar e desenvolver-se o espírito descomprometido das maiorias silenciosas levando a que as próprias manifestações sejam expressão de uma unanimidade (não há nada mais descomprometido do que ir num rebanho protegido pela sua própria multidão e sem qualquer risco) para a qual o espaço público parece estar definitivamente reservado.
Chegamos ao limite suportável dessa unanimidade social.
Expressão disto, é o post da Helena Forjaz, onde quase se indigna, por entender não ser compreensível (seria diferente dizer que não compreendia) como é que uma pessoa bem formada e informada (a avaliar pelos cargos que ocupa) sendo livre e não estando coagida, se decide pela conversão pública à igreja una, católica e apostólica. O que está implícito na forma de entendimento de Helena Forjaz é que, neste estado perfeito que é a democracia actual, plural e desassombrada, o que se deve fazer, por ser o que se deve entender, isto é, que a evolução das mentalidades deve reduzir a crença, ou qualquer manifestação religiosa, ao consenso de um pensamento único, socialmente reconhecido e que enquadre essa “realidade sociológica” que é a religião a uma expressão psíquica, por enquanto, tolerável pelos atavismos do passado ainda não devidamente higienizados que estão na origem e no desenvolvimento da nossa civilização, mas que o saber definitivo da definitiva democracia irá debelando e aniquilando com mais informação e mais comunicação dos valores do politicamente correcto, aceitável ou tolerável.
Noutro plano bem diferente, a Sofia Galvão, aproveitou o significado do dia e “postou” com a propósito sobre a Páscoa para nos lembrar que nesta quarentena que se iniciou na quarta-feira de cinzas e culminou no dia de Páscoa, é suposto celebrar a ressurreição de Cristo e não a ressurreição do ócio que leva milhares de pessoas, indiferentes ao significado do acontecimento, a esquecerem, a evadirem-se, a não enfrentarem o que se lhes apresenta. Desperdiça-se, assim, no nosso tempo, a reflexão mais decisiva sobre o destino do homem nos dias mais importantes do calendário cristão.
Na celebração a que assisti, na homília, o padre explicou que o cristianismo se apresenta através de sinais discretos ligados ao quotidiano mais simples e mais humilde e que ninguém esperasse provas da existência de Deus porque não é dessas evidências que é feita a revelação de Deus mas pelos sinais que os corações puros vêem. Como João, o discípulo amado, que viu, quando entrou no sepulcro os panos que cobriam o corpo de Jesus espalmados no chão e o lenço que lhe envolvia a cabeça enrolado de outra forma, e logo começou a crer. O que João viu e logo começou a crer foi na ressurreição de Cristo, a reconstrução em três dias do templo conforme o Mestre lhes tinha falado. A ressurreição de Cristo é a garantia de ressurreição de todos os homens. Nada mais importante nos podia ser anunciado. Entre as alegrias e os tormentos de que padece, o homem, procura sempre a salvação. Pode-lhe chamar paz interior, serenidade, consciência tranquila, mas tudo se resume a uma palavra: salvação. Porém, procurando isso, o homem, recusa todas as formas de iniciação nesse desígnio e, por isso, atormenta-se e padece de sofrimentos que alegrias breves não anestesiam.
O homem contemporâneo, filho da modernidade e da soberba do racionalismo iluminista, rejeita tudo o que lhe convém para acabar a queixar-se de tudo o que lhe acontece. A Sofia Galvão cita G. Vatimo, que recentemente deu uma entrevista ao jornal Público, na qual, mesmo não reconhecendo a verdade onde ela está, reconhece que o seu lugar por ser o seu lugar (o lugar da Verdade) em que ele Vatimo não acredita, é, só por si, uma expressão de plenitude e que a sua ausência é a expressão tenebrosa e apocalíptica do vazio.
Entre uma visão sociológica da religião (que implica a sua identificação com alienação) e a visão da Verdade como real e ideal, presente na essência das nossas vidas, que há de comum?
Por isto, perguntamo-nos: o que une pessoas que vêm dos antípodas para se sentarem à mesma mesa? Que comungam, afinal? Que preço pagaremos pelos compromissos que nos silenciam e anulam? Ou viver em Paz implica anularmo-nos para evitarmos conflitos e guerras? Restar-nos-á misturarmo-nos no meio dos rebanhos das inócuas e acéfalas maiorias silenciosas e ali ficarmos à espera que a morte nos venha buscar? Ou será que apenas, temos medo de lutar, medo da solidão, medo de viver?
Se assim for, teremos inventado um sinónimo para politicamente correcto: cobardia.
3 comentários:
Bom blog:)
Muito bem!
Mais uma vez, só posso concordar.
Hoje é dia da Anunciação; faz 12 anos o nosso príncipezinho D. Afonso.
-Que Deus o guarde a ele e à nosssa Terra de Santa Maria.
JW
«Principezinho» só conheço um. Não sabia desenhar ovelhas nem consta que fizesse anos hoje.
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