segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Tivoli em Dezembro



Normalmente fazíamos o caminho a pé. Desde o Príncipe Real, descendo a Calçada da Patriarcal, atravessando a Praça da Alegria para cruzar depois a Avenida em direcção ao Tivoli. Naquela altura o Natal era, antes de mais, época de estreia da Disney. «Estreia», já se vê, é força de expressão. Porque os filmes eram já então bem velhinhos. Mas o que é certo é que regressavam, religiosamente, ano após ano, com a força mágica de quem aportava a Lisboa pela primeira vez. A seráfica Branca de Neve e os seus infatigáveis anões («eu vou, eu vou, eu vou para casa eu vou»), a Bela Adormecida com a sua colecção de fadas de várias cores, a lindíssima Dama que foi a única cadela por quem eu tive um «béguin» (só quem nunca pôs os pés no Tivoli pode achar que isto soa a tara), a aterradora Cruela e os impagáveis Aristogatos que me serviram Jazz pela primeira vez. Do Bambi não falo porque, inopinadamente, naquele fim de tarde de Dezembro, a minha mãe me levou a comer um chocolate ainda antes do intervalo «porque o pequeno não tem idade para saber que as mães também morrem». Eu mal chegava com o nariz à varanda da frisa e foi então que descobri a infinita utilidade do colo dos pais.

Como tudo o que é bom tem de chegar ao fim, e para minha infinita tristeza, os anões deixaram um dia de falar «brasileiro» (ainda hoje estou para saber quem se lembrou de tal disparate) e começaram a aparecer em horrendos VHS nas prateleiras dos supermercados. O Tivoli fechou as portas e eu nunca mais pus os pés numa frisa. A Disney, essa, perdeu-se em delírios politicamente correctos e enredou-se no universo decadente das sequelas. Resignado, guardei os fins de tarde de Dezembro num recanto esquecido da minha memória e fui-me fazendo («malgré moi») homenzinho.


Até que, há alguns meses atrás, o meu filho Tomás, do alto dos seus seis anos, me convidou para ir ao cinema. É certo que não arranjei um frisa e que o cinema não era o Tivoli. Mas não faltou rigorosamente mais nada. Até o colo estava lá, embora desta vez fosse o meu.
«Ratatouille» não é apenas o melhor filme de animação dos últimos vinte anos. É uma viagem no tempo ao melhor do imaginário da Disney. É um milagre de redenção e, tenho a certeza disso, uma homenagem às minhas tardes do Tivoli. O meu Óscar ficou logo atribuído. Ontem a Academia veio apenas ratificar a minha decisão.

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