domingo, 24 de fevereiro de 2008

Kosovo, Turquia, UE e Portugal


Tanto se tem escrito já sobre a questão da independência do Kosovo, em tantos e variados textos, tanto aplaudindo como deplorando, que pouco mais teremos a acrescentar, neste momento, a tudo quanto foi já dito. Para tão elevada e imbricada tarefa falece-nos o engenho para não dizer mesmo, mais simples e comezinhamente, dri-se-ia, o necessário estudo e consequente conhecimento. Para não ir mais longe, do envolvimento da União Europeia à acção militar da NATO e às concomitantes resoluções da ONU, vastas, vastíssimas, complexas, complexíssimas e especiosas, mesmo tão especiosíssimas são as questões que, desde logo abandonamos qualquer ilusão e veleidade de algo significativo podermos ter neste momento a acrescentar. O que nos importa aqui é, acima de tudo e antes de mais, como sempre, Portugal, a posição de Portugal.


Eric Baudelaire, da Série «États Imaginés», 2005



Por quanto se vai lendo e ouvindo na imprensa e outros meios de comunicação, sabemos dos interesses dos Estados Unidos, da Rússia, de Espanha e outras nações europeias a braços com semelhantes questões minorias étnicas com veleidade de assumirem equivalente estatuto, sabemos ainda das posições de França, de uma Alemanha, de uma Inglaterra e de algumas das incongruências no seio da União mas, de Portugal, apenas sabemos que não há ainda posição. Que o Ministro dos Negócios Estrangeiros pretende ainda ouvir o Presidente da República, o Parlamento, e não sabemos já que mais demandas e consultas pretende efectuar para formar a sua decisão.

Compreendemos que, em diplomacia, muitas vezes nem tudo pode ser dito e explicitado de imediato, de modo claro, tantas são as redes de interesses e correspondentes consequências de uma qualquer decisão ou posição, a ponderar. Em diplomacia, a precipitação é a morte do artista, se nos é permitido este sugestivo plebeísmo. Mas tal não significa, necessariamente, silêncio; significa, acima de tudo, a necessidade de saber usar da suprema arte da elipse.

No caso presente, é compreensível a cautelosa posição oficial de Portugal. Não nos podemos esquecer, quanto por vezes parece suceder, a presença de forças militares portuguesas no Kosovo, nem esquecer podemos os nossos compromissos e inserção política em instâncias como a NATO, além, como é evidente, da própria União Europeia.

Não obstante, não tendo sido a declaração unilateral de Independência do Kosovo uma surpresa para ninguém, devia-se esperar, pedir, exigir, um pouco mais do Governo Português, ou seja, mais do que posições vagas como se sempre dependente estivesse de terceiras partes, a afirmação de uma linha de pensamento estratégico que, viesse qual viesses a ser a posição oficial, sempre entendida seria à luz desse mesmo pensamento estratégico e não como resultado fortuito e circunstancial de uma série de consultas, quase apeteceria dizer ad hoc, como quase parece suceder.

Não se vê _ pelo menos, não tenho visto _, qualquer reflexão e ponderação dos interesses nacionais em todo este processo. Com a excepção de Pacheco Pereira, Sexta-feira passada no Público, referindo a preocupação das possíveis consequências indirectas da actual situação na desestabilização de Espanha e o seu provável mediato reflexo em Portugal, tudo aparece passar-se como se nada houvéssemos com tudo isso. Ou seja, parece faltar-nos, de facto, pensamento estratégico e sem pensamento estratégico não há nação que se afirme. Poderá sobreviver enquanto útil for a terceiros mas pouco mais. E sem capacidade de verdadeira afirmação, impossível é alcançar também verdadeiro respeito. E sem verdadeiro respeito...

Não por acaso, ainda hoje é célebre o dito Clausewitz segundo o qual «a guerra é a continuação da diplomacia por outros meios». Na verdade, a essência de ambos é conduzir terceiros a fazerem o que queremos, seja na diplomacia, entre outros meios, através da persuasão, seja na guerra, através de um acto de força. E a pergunta que logo ocorre é tão só esta: sabe Portugal o que quer?

Quanto vimos acontecer com o Kosovo, vimos acontecer igualmente em relação à possível entrada da Turquia na União Europeia. Muita tinta sobre o óbvio carácter não exactamente europeu da Turquia; muita tinta sobre as dificuldades internas da Turquia em adoptar e adaptar-se a estritos preceitos ocidentais; muita tinta sobre as eventuais dificuldades de negociação entre Bruxelas e Ancara, sucessivas evoluções e consecutivos impasses. E, no entanto, sobre o interesse de Portugal e consequente posição em todo o processo, quase nem uma palavra, como se mais não nos restasse senão seguir mimeticamente directrizes emanadas de instâncias superiores, i.e., do douto Conselho Europeu.

Todo o caso da Turquia, i.e., das dificuldades de negociação entre Bruxelas e Ancara resultam e são um bom exemplo, em grande parte, do desnorte da própria União Europeia nos dias de hoje, sem saber exactamente o que é e o que pretende ser. Sem pretensão de qualquer exaustiva exposição, não podemos no entanto deixar de apontar dois ou três exemplos para que se entenda exactamente do que estamos a falar.

Por um lado, rejeita hoje a Europa as suas raízes cristãs, revelando em simultâneo um profundo pavor de qualquer efectiva afirmação civilizacional, até acabar num relativismo tão patético quanto conceptualmente vazio. Por outro, a obsessão federalista também não ajuda a esclarecer seja o que for, como bem revela o famigerado projecto de uma Constituição Europeia, disfarçado e emendado ou não em Lisboa. O que se pretende? A formação de uma espécie de Pátria Europeia que não existe nem vez alguma, nos tempos que se vislumbram, poderá vir a existir? Se as raízes cristãs da Europa não contam para nada, fará sentido referir as raízes muçulmanas e a consequente prática actual, como dificuldade para o avanço das negociações? Se afirmação civilizacional não há hoje na Europa, quanto se opõe em relação à Turquia? A Carta dos Direitos Humanos e o Iluminismo? E tal não significa, afinal, a sempre a mesma ilusão ou real consciência de uma mínima superioridade civilizacional, hoje talvez referida apenas, em mais humilde modo, como superioridade moral? E não é exactamente essa suposta superioridade moral, como sempre o foi, que permite e justifica impor uma muito europeia visão do mundo a terceiros?

Fora a União Europeia menos ambiciosa e mais realista, restringindo ao que deveria ser, um Comunidade Económica e Política, sem as disparatadas veleidades federalistas, embora se compreendam as suas raízes e propósitos, dos quais discordamos, e talvez tudo fora não apenas mais fácil como também mais profícuo. Basta pensar que os mesmos especiosos pruridos que hoje se colocam nas negociações Bruxelas-Ancara, não se colocam, como nunca se colocaram, em equivalente plano no seio da NATO. Haja realismo e sentido estratégico.

De qualquer modo, para nós, portugueses, deve-nos preocupar, antes de mais e acima de tudo, Portugal, e devemos, consequentemente, pensar tudo isto independentemente de todos os mais mas com plena consciência também das profundas interdependências dos dias de hoje. Isto mesmo o que parece faltar-nos na actualidade: pensamento e consequente doutrina estratégica. E sem pensamento e consequente doutrina estratégica, não estamos senão condenados a desaparecer, mais ou cedo ou mais tarde, inexaravelmente: como Pátria, como Estado, como Nação, perdurando talvrz, como fantasma, por algum tempo, uma vaga República, sem verdadeiro destino nem substância.

1 comentários:

Anónimo disse...

quanto a portugal, vejam isto: