sábado, 25 de agosto de 2007

O icebergue

E de repente uma verdadeira legião de virgens ofendidas pôs-se a vociferar, indignada, com o caso do alegado financiamento ilegal da Somague ao PSD. Como se o caso fosse único ou surpreendente. Como se o financiamento em causa, pelos seus contornos e dimensão, não fosse simplesmente patético quando devidamente contextualizado. Como se não fosse um exemplo entre muitíssimos que todos sabem existir. Como se estas virgens púdicas tivessem acordado agora para essa realidade sinistra que há muitos anos mina a qualidade da democracia portuguesa que é o financiamento ilegal dos partidos políticos. Como se não soubessem que não há grande obra do Estado, concurso público, ou licença atribuída que não sirva para aliviar o deficit crónico dos partidos. De todos os partidos. Como se não soubessem que esta sórdida teia de interesses é a «mãe de todas as corrupções». Como se não soubessem que é com esta prática que se compram silêncios e se vai criando uma cultura de corrupção que vai alastrando a todo o país.
Tenham dó. Se não querem atacar o problema, pelo menos poupem-nos a estas reacções de indignação hipócrita e patética.

3 comentários:

Anónimo disse...

Mas a reacção mais surpreendente foi decerto a da Procuradoria Geral da República que, em comunicado, admitiu (?) reabrir o inquérito criminal entretanto arquivado, em vista dos novos factos trazidos à opinião pública que revelam uma extensão insuspeitada do problema! Como é possível que, três anos passados sobre os factos, um jornal consiga investigar “novos elementos” que, pelos vistos, não surgiram no decurso do inquérito que é suposto ter por objecto precisamente aquela investigação? E bastou que a empresa em causa se tivesse disposto a “repor a verdade fiscal”, ou seja, a contabilizar devidamente o referido montante, a pagar o imposto em falta, quiçá com alguma alcavala (multa?), para que o inquérito fosse logo arquivado? E a quantos outros sucedeu o mesmo? Ou nem sequer há outros?...

Nuno Lobo Antunes disse...

Não sou virgem, nem púdico, mas não consigo entender a mensagem que o Pedro quer transmitir. Seria melhor calar porque "toda a gente faz igual"? Confesso que nada sei dos financiamentos dos partidos e esta questão parece-me importantissima. Não deveria haver uma opinião pública que exija a partir deste caso, ou de outros, que o financiamento de todos os partidos seja profundamento investigado?Que uma ponta do véu tenha sido levantada, fará, talvez, que a "noiva" se desnude. Não entendo a mensagem ambígua: por um lado é " a mãe de todas as corrupções", por outro não nos devemos indignar porque, como diria o Vasco Santana: "amigo Carneiro, andamos todos ao mesmo!" ou seja, somos metade vitimas, metade cumplices. Mais seríamos se ninguém se indignasse.

Unknown disse...

Caro Nuno,
O defeito é meu e da minha falta de eloquência. Como é óbvio estou tão indignado como tu e como deve estar qualquer cidadão. O que me irrita, e foi o que tentei dizer, é que os responsáveis políticos venham falar deste caso com uma indignação hipócrita só porque o TC o trouxe a lume. Muitos dos que agora se pronunciaram muito espantados, estão carecas de saber que estas coisas se passam todos os dias. Alguns deles terão tido contacto directo com esta realidade. Mas estiveram à espera de ser apanhados para virem exibir um grotesco espanto virginal.