sábado, 17 de novembro de 2007

A Notícia da Morte de Deus

A notícia da morte de Deus era, convenhamos, francamente exagerada. Hoje, a cada minuto, em cada esquina, ou Ele irrompe ou O reclamam. Provavelmente menos sexy do que o “Deus é Amor” dos anos 60, o facto é que não só Deus não morreu como Ele se multiplica em aparições, umas discreta mas socialmente solidárias, outras mais explosivamente fundamentalistas, outras ainda espiritualmente descalças e carmelitas.
Certo também é que os médicos marxistas, freudianos e afins que lhe decretaram o óbito foram objecto de processo disciplinar e expulsão da Ordem, para não falar de Nietzsche que se viu despromovido a maqueiro.
Não sei se Deus, nos anos 70, entrou em clandestinidade, nem sei se nos anos 80 requisitou licença sem vencimento. Sei que hoje a Sua actividade é transbordante. Como são ínvios e misteriosos os Seus caminhos, não é certo que sempre que reclamam a Sua presença ou levantem como estandarte a Sua intervenção, Deus (passe embora a idiossincrática ubiquidade) esteja efectivamente presente.
Mas para nós que O recusámos e recusamos, para nós que nos regulamos pela escassa razão e por um prosaico empirismo, para nós que renunciámos à eternidade pelo secular spleen do presente, essa deveria ser, a meu ver, a questão menor.
A questão maior é que, mesmo que Ele esteja de facto morto (e é até bem possível que nunca tenha nascido), Deus é o único toque de transcendência que acaricia a mente, o corpo e a delicada pele de alguns mil milhões de seres humanos.
Por favor, não invoquem a literatura, a música, ou outras sete ou oito artes, a filosofia ou a pobre sociologia. Deus é, em certas noites de festa, a única jóia que brilha no bico do desejado decote. Jóia roubada, como na letra de Carlos T que Rui Veloso canta, mas a única que retira a amada de um quotidiano alienado (ó palavra esquecida e enterrada), a única pérola que inspira o sonho para o qual nós, laicos e iluministas, não conseguimos, por mais utopias que tenhamos já ensaiado, encontrar substituto que se Lhe aproxime em transcendência e em elegância.
Ao lado do esplendor de Deus, as nossas científicas utopias geram um imaginário que, comparativamente com o apelo transcendente que dEle emana, estão como o prêt à porter para a haute couture.

12 comentários:

Sofia Galvão disse...

Jean Guitton, em conversa com François Mitterand, a propósito da opção entre o absurdo e o mistério, disse: no dia em que a experiência pessoal da morte permitir a cada um de nós vir enfim a verificar a verdade (ou a inverdade) da fé, os crentes, na hipótese de mergulharem no vazio, nada perderão, mas os não crentes, se confrontados com a efectiva existência do mistério, lamentarão profundamente não o terem admitido em vida.
Ao ler est' "A Notícia da Morte de Deus", logo me lembrei de Jean Guitton. Talvez porque sempre entendi este trecho como exaltação da experiência permitida pelo contacto com esse sopro de transcendência que inspira, guia e dá sentido. Ao admitir que, perante a certeza verificada do absurdo, os crentes nada perderão, Jean Guitton afasta-se de São Paulo, mas deixa-nos um extraordinário testemunho da beleza e da força da fé.
Essa fé nascida da recusa do nada e da sua ausência de sentido. Essa fé que impele à descoberta do mistério, à abertura ao transcendente e ao diálogo com Deus.
Por isso, Manel, estamos de acordo: a notícia da morte de Deus foi um furo ousado... Porque Deus não morrerá enquanto as humaníssimas questões da vida, do amor e da morte convocarem a transcendência para aí fundarem uma resposta. Para muitos, uma resposta de esperança. Graças a Deus...
[vd. Jean Guitton, L'Absurde et le mystère - ce que j'ai dit à François Mitterand, Desclée de Brouwer/Flammarion, Paris 1997]

Manuel S. Fonseca disse...

Sofia, não sei, é claro, se na hora da nossa morte nos espera o nada sem alegria nem dor ou um excelso coro de anjos e arcanjos. Só sei que, da mesma forma que não convido ninguém para este lado escasso e austero, a ninguém sou capaz de dissuadir de se entregar ao sinfónico embalo da trancendência. E estou de acordo consigo - era esse o sentido da minha prosa maneirista - que, em vida, um módico de transcendência tem, se não na ética, pelo menos na estética, uma superioridade que, mesmo na outra margem do rio, me apetece reconhecer e admirar.

Gonçalo Magalhães Collaço disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Gonçalo Magalhães Collaço disse...

Nas Confissões, Sto. Agostinho refere a situação de Mário Vitorino, um dos mais ilustres filósofos de Roma do seu tempo que, aceitando já, intelectualmente, os princípios e a doutrina do Cristianismo, encontrando-se intelectualmente convertido, se podemos dizer, aí quedava sem transitar para o culto, para a acção. Meditando sobre essa situação, concluiu Sto. Agostinho não conduzir o pensamento necessariamente à acção mas algo mais ser necessário para que do primeiro resulte a segunda, algo mais esse que designou como Vontade, palavra e conceito totalmente estranhos ao antigos.
A partir desse ponto, a Filosofia Antiga separou-se irreversivelmente da Filosofia Moderna, como muito bem viu Hannah Arendt na Vida do Espírito, com as consequências, superior e magnificamente deduzidas e expostas por Orlando Vitorino na Refutação da Filosofia Triunfante.
Para nós, portugueses, sempre mais fiéis à Filosofia Antiga, platónico-aristotelizantes, a Vontade sempre foi vista com suspeita senão mesmo mesmo com absoluta rejeição. Todavia, quando parece que nem a Igreja completamente acerta se a Fé deve ser entendida como dom de Deus se como virtude humana, depois de dois séculos de Iluminismo, Positivismo, Marxismo e Relativismo, saturados de Marx, Nietzsche e Freud, tudo se complica um pouco.
A muito pertinente citação de Jean Guitton lembra a célebre Aposta de Pascal, ou se ganha tudo e não se perde nada, ou se perde tudo e não se ganha nada. E a interrogação crucial afigura-se ser esta: e de que valeria ser de outro modo, i.e., mesmo admitindo que Deus houvesse morrido, nunca houvesse nascido, de que valeria a vida que vivemos? A Verdade, o Bem e o Belo não apelam sempre à eternidade? Não tem exacta experiência disso mesmo quem já amou, quem verdadeiramente amou e ama?
O vazio repugna intrinsecamente à humanidade _ e até à natureza. Imaginar, imaginar verdadeiramente, todo o esplendor da vida a desaguar no mais pleno vazio, se é permitida tal paradoxal expressão, é o caminho da Angústia. A Angústia é sempre angústia do nada, do vazio, do absoluta vazio, se, uma vez mais, assim nos podemos exprimir. Também houve quem entendesse aí residir a génese de toda a Filosofia _ mas isso levar-nos-ia agora por outros caminhos.
Como Nietzsche dizia do suicídio, «um bom pensamento para ajudar a passar muitas noites más», também dessa angústia podem sair belíssimas canções:

Four pails of water and a bagfull of salts.

That is all we are, that is all a man comprises,
chemicals alone, with no spirit, soul or ghost -
nothing so bizarre.
No amount of faith disguises
what is true is what we fear the most

Nothing can survive
save the things men leave behind them.
Any other case would be really too absurd -
if thoughts remained alive
surely modern science would find them?
No, the soul is nothing but a word.

All the wonders Man achieves
emerge from cerebral tissue.
Chemical reactions' ebb and surge
form that Thing that is you....
It's a sad philosophy,
but better sad than wrong.
Face the truth instead:
when you're dead you're dead,
when you're gone you're gone...
now she's gone.

Four pails of water and a bagfull of salts.

That is all she was, all my lover represented -
that sounds just as mad as saying she will never die.
Fools may clutch at straws
but truth must not be circumvented:
as the tree falls, so must that tree lie!

Now that sounds so odd...
once I would have preached it brightly.
Now questions appear I rationally can't ignore...
Nothingness or God,
Which of them seems more unlikely?

Once I would have answered clearly,
now I only think I'm nearly sure.

(Peter Hammill/Chris Smith)

Não sei porque, habitualmente, ninguém refere o que, segundo Nietzsche, terá conduzido Deus à morte. Tampouco importa, agora. O que é certo, o que parece ser certo, é que, onde Deus morreu, onde se crê ter morrido Deus, morreu também o Homem, mais não restando senão a mais inclemente das barbáries.

De qualquer modo, essa é a questão. A Grande Questão. Compreendê-lo, é o princípio, afinal, o que nos distingue dos restantes animais.

(As minhas desculpas aos autores anteriores por este comentário algo longo e abusivo depois de tão magnífico «post» e um não menos magnífico e pertinente comentário)

Marco Oliveira disse...

Deus... ou a ideia de Deus?

Gonçalo Magalhães Collaço disse...

Muito subtil, muito pertinente e muito filosófico comentário. Em rigor, filosoficamente... a ideia de Deus. Mas, no caso de Nietzsche, não tenho tanta certeza.

Os meus agradecimentos pelo comentário.

Inez Dentinho disse...

Procuro as causas do anúncio da morte de Deus e as causas do Seu aparente regresso.
A ciência, a prosperidade, a técnica e as cidades arrumam Deus numa função que tende para x0.
O religioso fica confinado progressivamente a um horário, a um espaço, a um grupo.
A religião fideísta, ritualista, sacral e comunitária - tal como Durkheim a definiu - sente dificuldade em sobreviver como tal.
A secularização germina nas sociedades melhor sucedidas onde a ambição deixou de ser um pecado. O relativismo entranha-se e confirma a visão mais nítida da morte de Deus.
Porque teima Ele em renascer? Será o mesmo Deus? Ou Outro feito à imagem do homem que sobreviveu à morte de Deus? Marco questiona: falamos de Deus ou a imagem de Deus?
No registo da eficácia a que hoje somos mais chamados, a solidão, a dor e o desconhecimento do depois aconselham o abrigo da Fé. Tal como a exaltação da vida, a alegria e a esperança não encontram melhor eco do que a acção de Graças a Deus.
A vida acontece. Com as criaturas que supõem a existência do Criador. Por pura lógica, por pavor ou apenas porque amam.
Como um dia me disse um sábio pecador ordenado: «o importante é conhecer a cantiga. E cantá-la. Não tanto saber quem a escreveu».

Anónimo disse...

Manel e para quando o livrinho ????

Manuel S. Fonseca disse...

Ó anónimo, não se acanhe, diga o nome. Mas qual livrinho?

Anónimo disse...

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