segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Da Visão: Cada tiro, cada melro



No curto espaço de uma semana, o governo de José Sócrates conseguiu produzir dois documentos de uma imbecilidade absolutamente notável que dizem muito sobre a massa de que é feito este executivo.
A festa começa nesse hino à impunidade e à displicência que constitui o novo estatuto do aluno. A coisa explica-se duma penada: reconhecendo a sua antipatia genética pela ideia de disciplina, o PS de Sócrates resolve a questão da generalizada rebaldaria que grassa nas escolas públicas do país legitimando-a. A ideia é de uma genialidade desarmante. À falta de se vencer a balda, integra-se no sistema a própria balda: os petizes, que já tinham dificuldade em chumbar por razões pedagógicas, ficam agora «proibidos» de chumbar por faltas. Ou como se diz em «eduquês»: «a escola pública inclusiva não pode permitir que se impeça um aluno de voltar à escola por conta, apenas (!), de um determinado número de faltas». É certo que alguns lunáticos e conservadores ultrapassados dirão que se sacrifica um pouco mais a cultura de exigência e de mérito que seria suposto começar a ensinar-se na escola pública. Mas os cães ladram e a caravana passa. E o que é realmente importante é que, graças a esta aberração saída das profundezas mais tenebrosas do Ministério da Educação que dá pelo nome oficial de «nova filosofia de intervenção pedagógica e disciplinar», se salvam a face da Ministra e as estatísticas do sector.
Mas a festa não fica por aqui. Não satisfeito com o ritmo de uma imbecilidade por semana, o governo apresentou um projecto de um novo contrato de concessão do serviço público em que se defende que a emissora estatal venha a lançar, em pleno século XXI e entre outas coisas bizarras como um canal destinado ao conhecimento (teme-se o pior), um novo canal destinado ao público infanto-juvenil. O puzzle começa assim a ficar completo. Resolvida formalmente (que não substantivamente entenda-se) a questão das faltas, era preciso que o generoso Estado socialista viesse entreter (de forma pedagógica, estou certo) os petizes que, libertos do pesadelo do chumbo por faltas, ameaçavam ficar seriamente aborrecidos. Mais uma vez, meia dúzia de liberais furiosos dirá que o Ministro Santos Silva tem uma visão totalmente ultrapassada do sector. E que os avanços tecnológicos justificam um recuo e não um avanço do papel do Estado na prestação de um serviço público de televisão. Mas não passarão de vozes isoladas. E o Ministro há-de levar avante a iluminada ideia de servir, à custa do erário público, doses maciças de Noddy às criancinhas agora desocupadas.
Dir-me-ão que é abusivo ligar, através de um nexo e de um propósito comum, uma e outra medida. Concedo. Mas não deixo de ter vergonha de viver num país onde o Estado, com uma falta de pudor revoltante, desiste de impor um mínimo de disciplina e de cultura de mérito nas escolas públicas, mas abraça com um entusiasmo dirigista próprio dos irresponsáveis a nobre tarefa de desbaratar o dinheiro dos contribuintes na resposta a necessidades fúteis e largamente satisfeitas pelo mercado.

9 comentários:

Paulo C. Rangel disse...

Caro Pedro Norton:

Não posso estar mais de acordo.
Preocupa-me de sobremaneira o Estatuto do Aluno. Medida grave. Muito Grave. Gravíssima.

Anónimo disse...

O que a sucessão das suas opiniões sobre matérias educativas indicia é o desconhecimento do rumo que as políticas desta ME seguiriam naturalmente, necessariamente.

Porque isto era previsível desde o início.
Pronto, terá havido quem desde o início (pre)viu isso.

Como JF Revel escreve em “A Grande Parada” acerca de quem denunciou os crimes dos regimes estalinistas desde o início, é chato que quem só o tivesse feito após a queda do muro de Berlim, não reconheça retrospectivamente a razão dos que os precederam e não admitam com clareza o erro de cálculo.

Manuel S. Fonseca disse...

Pedro,
É verdade que este "estatuto do aluno", e a imbecilidade que dá justificada matéria ao seu post, é deste Governo e desta Ministra e que a o raio da culpa não deve morrer solteira, ainda que, no caso vertente, me pareça que até a culpa deve estar a pensar que "antes sozinha do que mal acompanhada".
Mas é bom que se diga, por honra da firma de quem, mais do que julgar governos, queira avaliar políticas, que a o rumor desta impunidade, como a fama do intragável Constantino, já vem de longe. O aparelho que está montado no Ministério da Educação tem um paradigma pedagógico arrepiante, capaz de destruir todo o gosto pela leitura, pela aprendizagem, por alguma forma de responsabilidade e até por uma certa elegância de relações que deveriam ser as que ligam professores e alunos. Ora, o aparelho está montado há quase 30 (trinta) anos e tirando para aí o Bloco de Esquerda (por nunca ter estado no Poder, e nem é preciso que Deus nos livre do que fariam se lá estivessem, por que o Povo disso se encarrega) não há mais nenhum partido e respectivos ministros e primeiro-ministro que não os tenha cooptado, apoiado, acariciado, mimado, and so on. Os governos (muito ou pouco) mudam. "Eles" não.
Um abraço

José Manuel Dias disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
José Manuel Dias disse...

Quem conhece a realidade das escolas não pode subscrever a opinião expressa neste post. As mudanças em curso no domínio da Educação são necessárias. Importa, no entanto, que todos os stakeholders dêem o seu contributo. Uma escola melhor interessa a todos.

Nuno disse...

Não estou nada de acordo com o post! Desde quando é q existe uma questão de "generalizada rebaldaria"? Estamos longe da perfeição mas o que se afirma não é de todo verdade, pelo menos não é uma coisa que se possa generalizar.
Uma coisa q ninguém fala é um estatuto dos pais, isso é q faz falta, responsabilizar os pais qd que os filhos faltam à escola, obrigar estes a uma maior participação. É q o estado não é o único interveniente no processo, o aluno e os pais têm gde responsabilidade e não se podem abster de participar numa construção de um escola melhor.

Unknown disse...

Caros, Paulo, José Manuel, Nuno:
1 - Não tenho, de facto o dom de previsão do Paulo Guinote. Não consigo encontrar um nexo causal entre a revisão do estatuto da carreira docente (que no geral me parece positiva) e o o estatuto do aluno (que me parece deplorável). Mas pode ser que ele exista e concedo que outros, mais sábios do que eu, o tenham descoberto.
2 - Não sei se «rebaldaria» é o termo científico para um sistema onde os alunos estão proibidos de chumbar e em que se assiste, com uma inusitada frequência, a agressões de professores. Eu não me lembrei de melhor.
3 - Dito isto, faço duas concessões. Primeira: as generalizações são sempre perigosas e haverá, com toda a certeza, escolas que funcionam melhor e professores que conseguem «sobreviver» ao que o Manuel S. Fonseca chamou «um paradigma pedagógico arrepiante». Mas olhar para as árvores sempre impediu de observar a floresta.
Segunda: estou absolutamente de acordo que o papel dos pais não tem sido suficientemente sublinhado. E que lhes cabe uma enorme responsabilidade no funcionamento do sistema. Mas atenção: não se pode exigir que os pais participem e depois organizar levantamentos de rancho quando se pretende que eles contribuam para a avaliação dos professores...

Anónimo disse...

A burrice chapada e o atrevimento estão alcandorados a virtudes no reino podre da nossa comunicação social. Quanto mais pobreza, mais arrogância ESTÉRIL!


Mais uma vez aparece um papagaio a falar do que não conhece, mas alinhavando três ou quatro espermatozóides de ideias com um um dois embriões de opinião fundamentada obtém a receita habitual do prato do dia desta imprensa ignorante e acéfala: um chorrilho de disparates, inverdades e fórmulas sonantes que o pagode fica radiante de ouvir e depois vai repetir na bicha da caixa do super-mercado, no táxi ou na livraria fina de Campo de Ourique.


Tirando esta capa de chinfrineira previsível e tão repetitiva quanto o argumentário habitual dos santanas lopes e quejandos que infestam a nossa vida social, o que resta mesmo deste Artigo? Sim, na sua essência? Que é CRITICÁVEL DAR UMA SEGUNDA OPORTUNIDADE a um Aluno que haja excedido o seu limite de faltas.


Se Pedro Norton assim pensa, paciência.


Para quem quiser perceber um pouco do que se trata eu dou um exemplo concreto: a minha Mulher teve um episódio de tuberculose quando era adolescente. Diagnosticada a doença, iniciou-se um período de tratamentos no Hospital que, por serem diários e a meio da manhã, a impediam de assitir regularmente a muitas aulas.


Resultado: apesar de manter excelentes níveis de aproveitamento, foi OBRIGADA A CHUMBAR O ANO, pelo simples motivo de que a Escola a aconselhou a NÃO APRESENTAR JUSTIFICAÇÃO DESSAS FALTAS PARA NÃO SE SABER QUE EXISTIA UM FOCO DE INFECÇÃO DA DOENÇA!


Ainda hoje revoltada, mais de vinte anos depois, com essa clamorosa injustiça, a sua reacção natural quando tomou conhecimento da aprovação do novo Estatuto do Aluno foi simplesmente este desabafo: como foi possível terem sido necessários tantos anos para, finalmente, alguém FAZER O ÓBVIO!



Como este caso, são muitas as situações em que o actual Governo, por ABSOLUTA OMISSÃO NOS ÚLTIMOS VINTE ANOS, se defronta com a necessidade de praticamente refazer do ZERO o edifício administrativo português. Será que não se aperceberam ainda disso? Ou pensam que com este tipo de Artigos conseguem tapar o Sol com alguma peneira?

Unknown disse...

Caro anónimo,
Como calculará, vou deixá-lo a zurrar sózinho.
Um abraço.