quinta-feira, 16 de maio de 2019

A dita filosofia islâmica III






Podemos dar ainda outro passo.

E o que se passa precisamente com a gnose, mística e teosofia cristãs? Têm mais variantes que a muçulmana ? A resposta é simples: sim.

Com efeito, as variantes desencarnadas que existem no islão são as que a Europa desde sempre teve, seja com os hermetismos, os neopitagorismos, os neopaganismos. Marcílio Ficino e Boehme, e mesmo até um certo Camões do « Sôbolos rios que vão» («Mas ó tu, terra de glória. | S'eu nunca vi tua essencia, | Como me lembras na ausencia? | Não me lembras na memoria, | Senão na reminiscencia: | Que a alma he taboa rasa, | Que com a escrita doutrina | Celeste tanto imagina, | Que vôa da propria casa, | E sobe á patria divina»).

Mas a Europa tem mais uma variante, que o islão não tem. A variante que assenta na Incarnação. Santa Teresa de Ávila, São João da Cruz e Mestre Erckhart não irão menos longe que os místicos muçulmanos. No entanto, têm mais uma possibilidade: a de uma mística incarnada.

Podemos dar ainda outro. É que mesmo a teologia racional nunca teve um lugar eminente no islão. Este oscilou entre o legalismo e a teosofia (termo que aparece obcecantemente no autor). Já são três dimensões culturais que faltam à tão rica cultura islâmica.





Por outro lado, enquanto no Ocidente a separação clara entre a teologia e a filosofia ocorre com a escolástica, esta separação nunca ocorre no islão (pp. 14-15).

As palavras mais usadas são as de teosofia ou teosófico e variantes (v.g. pp. 47, 106, 220, 246, 289, 299, 300, 301, 346, 356, 360, 403, 404, 412, 419, 425, 430, 431, 433, 435, 448-449, 454, 456, 473, 481, 493, 494), gnose ou gnóstico (v.g. pp. 46, 136, 201, 208, 209, 220, 244, a ideia do Anjo que assustou o «dogma» islâmico é em si mesma gnóstica a pp. 245-246; pp. 269, 299, 301; na Andaluzia a pp. 307, 313, 322, 323; pp. 356, 404, 412, 428, 434, 435, 439, 447, 454, 456, 461, 473), esotérico (v.g., pp. 64, 68-69, 429, 443), profético (pp. 64), maniqueu (p. 296), hermético (p. 331), precisamente para afirmar que a filosofia continuou depois de Averroïs (p. 64).

O próprio Corbin reconhece que a filosofia deixou de ser uma escola viva no islão sunita, só sobrevivendo entre os xiitas (p. 65).

Mas se sobreviveu foi como teosofia, tendo esgotado a fecundidade como dialéctica (p. 86). A filosofia acaba por se tornar gnose (p. 121). Entre os xiitas há tendência apofática que torna difícil um discurso sobre os atributos de Deus (pp. 169, 472).

Mas, se o apofatismo não é incompatível com a filosofia (tudo depende da dose certa, São Tomás de Aquino tem a sua dose de apofatismo), a suspensão do juízo é erigida em regra quando se manda «ter a fé mas sem perguntar como» (pp. 170-171).

Pode-se mesmo perguntar se a filosofia se encontrava em casa no islão (é o próprio Corbin quem o pergunta a p. 181). Ou ainda, é o próprio Corbin a colocar a hipótese da incompatibilidade entre o islão legalista (sobretudo sunita) e a filosofia, fazendo com que a verdadeira oposição seja entre o exoterismo (legalista) e o esoterismo (místico) (p. 234). A gnoseologia de Avicena é antes do mais uma angelologia (p. 241).


0 comentários: