quinta-feira, 1 de setembro de 2016

As fragilidades do laicismo III


Qual é o pano de fundo do laicismo, então? A de que a Europa não tem uma cultura e História, só a dos museus e monumentos turísticos. A Europa não foi moldada por milhares de anos de História, mas História propriamente dita só a tem desde há cerca de duzentos anos. O resto são mortos sem relevância. É o espaço de memória dos laicistas, e não se sentem perder grande coisa, é evidente. História apenas a entregue por jornalistas, epopeia de pacotilha devolvida em prestações mensais de folhetim barato, fácil de assimilar. O laicismo abespinha-se porque traz uma cultura cristã atrás de si a que não se pode referir, e, vendo outras culturas, não as consegue integrar no seu mito. Carece de uma Igreja cristã para se poder opor, a sua actividade natural, e ficciona que as outras religiões são como cristãs para poder existir. Etnocêntrico sem o saber, rege que o mundo seja sempre medido pela mesma bitola: a cristã.

A Europa só é laica se esconder a sua História ou se a mostrar apenas sob a forma de museu, ou seja de múmia, património que tem de ser ao mesmo tempo preservado, mas segregado da vida comum. Nascendo de um mito de separação, o laicista separa tudo, separa a Europa da sua História. O nome latino que traduz a ideia de separação, como vem na Lei das Doze Tábuas, é o de «sacer». «Sacer esto», diz a Lei sobre o homicida. «Que seja separado». A História da Europa torna-se assim sagrada de forma triste, entre o museificado, como se fosse raiz morta, presença apenas mumificada, mantendo as suas formas por generosidade de uma cultura nova que não se importa de a cinzelar, desde que morta.

O laicista não pode defender a sua própria cultura, porque não existe. A sua cultura oficial vem apenas em livros de propaganda escolar, um mundo que nasceu há duzentos anos. Por isso, quando quer defender a cultura católica, que no fundo nunca deixou de ser a sua, tem de invocar os direitos dos homens, a segurança pública, os direitos das mulheres. Vai buscar ao seu fundo conceitos que não têm fundo. Entendamo-nos: o que por vezes quer o laicismo é bem legítimo. São os seus fundamentos que são espúrios. A sua fragilidade não decorre de alguns dos seus conteúdos (que são cristãos), mas da mentira dos seus fundamentos. O laicista não diz que é cristão, que é incapaz de ter uma visão do mundo além do cristianismo, é nele que assenta a sua visão, mas precisa de acreditar que assenta num morto. Mal percebe que assim repete o dito canónico: «morreu por nós».

O laicista tem de mentir em relação à sua origem, em relação à sua História, parasitar a ciência, reprimir as revoltas, e as Antígonas, dissimular o seu conteúdo e mumificar o seu passado. «Laos» é o povo em armas na Ilíada. O laicismo, para gerar entusiamo, tem de ser guerreiro. Não tendo guerras para fazer, ou inventa inimigos, ou pretende um mundo dormente à sua volta. Mas mesmo aqui repete um dos grandes mitos europeus, o de Camelot derrotado em que o rei Artur jaz adormecido para um reino futuro. Torna-se ele mesmo arcaísmo, revelando assim finalmente a sua última natureza. A de um mundo que saiu do nada e para ele esvanece.

 

 

 

Alexandre Brandão da Veiga

 

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