terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Piergiorgio Odifreddi


 


A Itália é um país estranho. É um grande, um imenso país de cultura, e acha-se um pequeno país. É talvez o único que está nesta situação. O problema de países como a França, a Inglaterra e a Alemanha é o de correrem sempre o risco de se fecharem sobre si mesmos, sem disso se aperceberem.

A Itália, como se julga pequena, é ao mesmo tempo grande com todas as vantagens, e sempre ansiando, aberta ao que se passa noutros países. Cria por isso personagens com mundo, não estreitas na sua especialidade.

Este é o caso de Piergiorgio Odifreddi.

Marxista, comunista, matemático, com um delicioso sentido de humor, vou-o encontrando de vez em quando, seja em livros seja na Internet. https://www.youtube.com/watch?v=ERO8sOki7aY

Quanto a ele pode-se usar um adjectivo pouco usado. É jovial.

Tenho pena não o poder confrontar com problemas do fundamento. Porque Odifreddi como bom matemático, bem sabe que os grandes teoremas da lógica são teoremas de limitação. Porque não pode um sistema logico ser consistente e completo ao mesmo tempo como Gödel mostrou? Porque não pode um sistema logico estabelecer a sua própria verdade, como mostrou Tarski?

Odifreddi talvez disse, como dizem alguns matemáticos: porque é assim. Na demonstração tem de se parar, dizia o bom do Aristóteles. Sem dúvida. Mas isso não o impediu de fazer metafisica. Porque sabia que o problema da metafísica tem de ir além da demonstração. «Quella non c’è» (la verità), afirma. Não existem porque são contraditórios. É a sua resposta, mas então como escolhemos os axiomas de que partimos? A auto-evidência? Quem define essa auto-evidência? Quem escolhe? Porque escolhe?

A metafísica é uma coisa muito desagradável, reconheço-o. À partida não me suscita muita simpatia. Mas não gosto eludir problemas. Conheço bem a atitude: sobre o que não se pode falar deve ficar-se em silêncio. Não é acaso que Tarski não gostasse de Wittgenstein. Teve décadas para perceber o seu conteúdo místico. Mas não era tanto o conteúdo que lhe repugnava. Era o facto de ter sido enunciado. O simples facto de ter sido enunciado era já ser metafisico.

O nosso velho Aristóteles já o sabia: é preciso parar a demonstração, não o pensamento.

Talvez cada país tenha o que merece. Mas tenho pena que em Portugal não haja ateus assim, em que a inteligência e o sorriso vão de par. Acompanhado de um rapaz não muito dotado intelectualmente, numa modorra que mal passa por serenidade, a verdade é que Odifreddi brilha pelo seu sentido de humor.

 

Alexandre Brandão da Veiga

 

 

 

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