sexta-feira, 28 de junho de 2013

Morrer pelos outros


José Maria Cortes foi morto à facada quando tentava assistir um amigo no chão, vítima de dois golpes da mesma arma, dados por um desordeiro na madrugada de uma feira bem regada.
Era casado, geria uma cadeia empresarial, jogava rugby e liderava dezenas de rapazes que pegam toiros no Grupo de Forcados Amadores de Montemor-o-Novo. Era um exemplo de rectidão, de coragem e de condução de homens. Por isso atendeu a quem estava caído. Por isso morreu.
A demora dos bombeiros e das Forças de Segurança e a inactividade do Centro de Saúde de Alcácer nas primeiras duas horas de assistência devem ser objecto de inquéritos para apurar todas as responsabilidades desta tragédia. Vergonhosa foi, também, a cobertura televisiva inicial, sugerindo que a rixa da feira se travara entre grupos de forcados armados. É não conhecer quem pega toiros.
José Maria estava habituado a enfrentar de caras toiros bravos de 600 kg. Não estava preparado para homens cobardes armados nas suas costas.
Paz à sua alma. À Família, o consolo impossível.


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segunda-feira, 24 de junho de 2013

Os Estados Unidos e as relações especiais





Os ingleses salientam que têm uma relação especial com os Estados Unidos. Ainda noutro dia ouvi um deputado europeu do UKIP britânico afirmando que deveram sair da União Europeia e fazer um acordo com os Estados Unidos, porque o Reino Unido era, não apenas uma grande economia, e um país muito poderoso, como em acréscimo tinha uma relação especial com os Estados Unidos. Não se perguntou-se os Estados Unidos o queriam fazer...

Nem de propósito, poucos dias depois ouço numa televisão alemã um diplomata americano sedeado em Berlim lembrando que os Estados Unidos tinham uma relação especial com a Alemanha. Saliento: desta vez não foi um alemão a dizer que existia uma relação especial – foi o próprio americano que o disse. Não se trata de alguém que se arroga, mas de alguém que o proclama.

Lembro-me também de que nos foi vendido como ouro de lei o facto de haver uma relação especial entre o Reino Unido e os Estados Unidos e de que a prova era a que Blair fora recebido no Congresso americano, honra raramente dada a um político estrangeiro. É certo que a relação é especial: o bilhete custou-lhe biliões de libras na Guerra do Iraque e muitas vidas britânicas. Já pouco tempo depois Sarkozy é recebido no Congresso e depois ainda Merkel. E de graça. O bilhete não lhes custou nada. Relação especial, os ingleses? Sem dúvida. Paga a peso de ouro. Os franceses e alemães entram de graça.

Lembro-me igualmente de termos tido um Governo que teve de lembrar os Estados Unidos de que somos seus amigos, porque eles se tinham esquecido do facto. Realmente, nós portugueses temos uma relação especial com eles.

Mas lembro-me sobretudo do Don Giovanni de Mozart, quando o bom do Leporello, muito lucidamente diz a Dona Elvira:



Madamina, il catalogo è questo

delle belle che amò il padron mio,

un catalogo egli è che ho fatt’io,

osservate, leggete con me.



E que diz ele? Que lê nesse relato?



In Italia seicento e quaranta,

in Lamagna duecento e trent’una,

cento in Francia, in Turchia novant’una,

ma in Ispagna son già mille e tre



Pois é. Todos temos relações especiais com os Estados Unidos, que promete amor a muitas e mesmo outras a quem não prometeu amor se sentem picadas por se dizerem amadas por eles. Critiquei muito certa classe política pela sua origem servil. Pena é que não tenha vindo da seiva de um Leporello, ou que não tenha aprendido com os ouvidos de Dona Elvira. Porque assim lhe cantaria a consciência:

ma in Ispagna son già mille e tre... mille e tre... mille e tre ... mille e tre



Alexandre Brandão da Veiga

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sexta-feira, 7 de junho de 2013

António Costa e a democracia


Imaginem o que seria Pedro Passos Coelho pedir a Assunção Esteves o plenário da Assembleia da República para encher as bancadas de amigos e inaugurar a sua campanha eleitoral?! Nos lugares do Bloco de Esquerda, do PCP e dos Verdes, por exemplo, sentaria a JSD, os artistas que o apoiam, os ex-dirigentes do PSD, os actuais, o Povo laranja em geral. Um sucesso.
Foi exactamente o que aconteceu ontem na Assembleia Municipal de Lisboa. António Costa tomou as instalações do parlamento local para ali sentar toda a sua claque e fazer o balanço do mandato, sem qualquer contraditório. Para cúmulo, convidou os donos da casa, os deputados municipais, aos quais os serviços de protocolo indicavam a fila de lugares reservados. No templo do contraditório - que é qualquer parlamento - os deputados não tiveram voz. Os quatro ou cinco que aceitaram o convite para irem a sua casa, ouviram e calaram. Calaram mas não consentiram.
O orador falou durante duas horas o que bem quis. Apontou erros a gestões anteriores que não puderam contrapôr. Gabou-se de vitórias cujos méritos também pertencem ao Poder Central, sem que fosse possível ajustar essa verdade. Falou também da sua obra sem que a Oposição pudesse fazer reparos à lentidão dos processos ou ao que prometeu fazer, não fez e, claro, não disse que não fez.
Na assistência, o povo de esquerda aplaudia o comício. De Maria Barroso a Ferro Rodrigues; de Correia de Campos a Carlos Carmo; de Margarida Martins à equipa de vereadores que assim tomou os lugares dos deputados. Uma balbúrdia institucional que nunca teria sido perdoada à equipa de Santana Lopes, por exemplo.
Bem sei que a Assembleia Municipal funciona numa sala de espectáculos onde podem actuar artistas e passar fitas de ficção. Foi o caso. O Presidente da Câmara teve o bom gosto de não subir ao palco e de mandar apagar os focos que só iluminavam o próprio. Na forma cumpriu. Na essência foi o único «iluminado» num mundo de confusão institucional, para não dizer, de atrevimento institucional.
Em declaração de interesses, convém dizer que sou deputada municipal de Lisboa, eleita como independente nas listas do PSD. Aceitei o convite de ontem porque pensei que, como sempre, se tratava de um espaço aberto ao debate e com respeito pelo lugar do público, dos deputados e dos vereadores. Mas basta dizer: com respeito pela sede da democracia autárquica.

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